“A minha luta é para encontrar o centro,
o núcleo de toda uma infinidade de justificações, que superficialmente parecem
satisfazer-me e são, afinal, folhas caducas do meu tronco. Determinar, numa
palavra, que causa última me conduz, que força polariza os meus atos. Mas estou
longe dessa descoberta. Eliminei o divino, porque era divino e eu sou humano;
superei o pecado, porque viver sem pecado era um absurdo moral; e consegui
perceber que a vida não é trágica por estar balizada pelo nascimento e pela
morte, que são condições de existência e não condenações dela. Contudo, nada
resolvi. Continua a escapar-me das mãos a sombra de um fantasma paradoxal. Uma
sombra que é uma pura alucinação dos sentidos, que sabem que apenas o real lhes
merece crédito, e, sobretudo, da razão, que sabe que a única consciência do
mundo é ela própria, princípio e fim de si mesma.”
Miguel
Torga, in Diário (1948)
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