“Veio me dizer que eu desestruturo a
linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num
lugar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim. Tira o lugar em que eu
estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele
lugar. E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém. Ao retirar de debaixo de mim
o lugar, eu desaprumei. Ali só havia um grilo com a sua flauta de couro. O
grilo feridava o silêncio. Os moradores do lugar se queixavam do grilo. Veio
uma palavra e retirou o grilo da flauta. Agora eu pergunto: quem desestruturou
a linguagem? Fui eu ou foram as palavras? E o lugar que retiraram de debaixo de
mim? Não era para terem retirado a mim de lugar? Foram as palavras pois que
desestruturam a linguagem. E não eu.”
Manoel
de Barros, in Ensaios fotográficos
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