Os prazeres ardentes são momentâneos, e
custam graves inconvenientes. O que devemos cobiçar é viver sem sofrer muito.
Aquele que sofre foge-lhe uma parte da existência. O mal é nocivo à plenitude
da vida por que é sempre causa do aniquilamento. Quando o sofrimento nos
ameaça, e receamos que as forças defensivas nos faleçam, suspendem-se os outros
movimentos do nosso coração, e então pouco há que esperar de nós, por que se
torna incerto o nosso destino. O bem-estar de grande número de indivíduos, que
vivem retirados das agitações, depende mais da sua disposição habitual de
pensamento que da influência de causas exteriores. A crise moral pode
surpreendê-los e magoá-los momentaneamente; mas a força dos acontecimentos é
meramente relativa. Os sofrimentos são mais ou menos intensos, conforme a época
em que nos oprimem. O que ontem poderia aniquilar-me, levemente me incomoda
hoje. Cinco minutos de reflexão me bastam. A maior parte dos objetos encerram e
presentam, indiretamente pelo menos, as propriedades oportunas. Pô-las em ação
é no que assenta a indústria da felicidade. Há aí que farte instrumentos
fecundos de prazeres úteis; ponto é saber meneá-los. Quem não sabe trabalhar
com eles, fere-se. Discernir, isto é, refletir é o que mais importa.”
Camilo
Castelo Branco, in Cenas Inocentes da Comédia Humana (1863)
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