Encontraram-se
depois de mais de dez anos:
-
Afonso!
-
Hermenegildo!
Abraçaram-se
três vezes seguidas, como fazem todos os que não se veem há muito tempo:
-
Lembra-se do Rogério?
-
Lembro.
-
Morreu a semana passada.
-
Coitado.
Conversaram
a mesma conversa que conversam os que não se veem há muito tempo:
-
Que tens feito?
-
Lutando. E você?
-
Levando a vida.
Quando
deram por si, estavam tomando cafezinho em pé, como fazem sempre os que não se veem
há muito tempo:
-
Você está mais gordo.
-
E você, mais magro.
Foram
andando, parando, relembrando incidentes pitorescos, como fazem todos os que
não se veem há muito tempo:
-
E aquele mergulho no rio, atrás do internato, lembra-se?
-
Se me lembro, quase você morre afogado.
-
E foi você quem me salvou, nunca esqueci.
Pararam
num ponto de ônibus pra se despedir, ficaram batendo papo mais de meia-hora,
como fazem todos os que não se veem há muito tempo:
-
Você casou?
-
Casei. E você?
-
Mais ou menos. Estou com uma zinha aí mas ela é casada.
-
Você nunca quis nada com o casamento, hein, malandro?
-
Com essa até que eu casava.
-
Como ela é?
-
Baixotinha, gordota, tem um sinalzinho no rosto, mas eu gosto dela assim mesmo.
Afonso
ficou apreensivo:
-
Como é o nome dela?
-
Cláudia.
Afonso
ficou mais curioso:
-
Ela tem filhos?
-
Dois. Um menino de quatro e uma menina de três.
Afonso
só faltou pedir o retrato pra ver, mas não teve coragem. Apressou a
despedida:
-
Bem, tenho de ir andando, estou atrasadíssimo.
Tomou
o ônibus, foi direto para casa. No caminho, foi pensando: "Cláudia...
dois filhos... um menino de quatro... uma menina de três... baixotinha...
gordota... um sinalzinho no rosto..." era muita coincidência. Quando
entrou em casa, só faltou arrancar a porta. Lá estava a mulher no meio da
sala, com os dois filhos, baixotinha, gordota, com um sorriso na cara deste
tamanho:
-
Chegou cedo hoje, hein, Afonso?
Ele
estava tremendo de ponta a ponta, quando perguntou:
--
Diz depressa o nome de um homem.
-
Como?
-
Depressa, diz um nome de homem. Um nome qualquer.
Ela
nem teve tempo de pensar:
-
Hermenegildo.
Ele
chegou a cambalear, foi preciso segurar no vão da porta:
-
Quem diria, hein?
Sua
mulher não entendia nada:
-
Mas o que foi, Afonso? Está sentindo alguma coisa?
Ele
foi categórico:
-
Estou sim.
-
Está sentindo o quê?
Ele
arreganhou os dentes:
-
Estou sentindo ódio de mim mesmo, por ter salvo aquele desgraçado. Devia
ter deixado ele morrer afogado.
Cláudia
caiu de bruços e como caiu, ficou, inteiramente desacordada.
O
médico disse que era normal.
Estava esperando o terceiro filho.
Leon
Eliachar, in A mulher em flagrante
Nenhum comentário:
Postar um comentário