Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou
obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me
vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade.
Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no
jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de
cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a
parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência,
da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de
que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente
indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido
precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar
a convencer-se, a propagar-se?
(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não
é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca
é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no
jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como
de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais
útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra
de lhe seguir a trajetória, o convencido da vida farta-se de cometer gafes. Não
importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das gafes, além daquelas,
apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de
casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um parvenu, a pior das gafes é o convencido da vida julgar-se mais
hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não
seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer,
liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a refaire surface. Cá chegado, ei-lo a
retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da
sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que,
afinal... sempre foi.
Alexandre O'Neill, in Uma Coisa em Forma de Assim
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