“Mas
então como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um
advogado. Por que não? As piores declarações são as pífias e clandestinas, do gênero
‘Acho-te uma pessoa muito interessante’. As melhores são aquelas que
comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas
em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo ‘Experimentar-a-ver-se-dá’
nunca dão. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuí-los por avioneta
à população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anônimo de ‘um
admirador’. As declarações de amor têm de cortar a respiração de quem as
recebe, têm de rebentar na cara de quem as lê. O amor e o terrorismo são
questões de objetivo, e não de grau.
Como
estamos todos a zero, ninguém pode dar conselhos a ninguém. Há séculos que as
maiores cabeças do mundo procuram a frase perfeita de apresentação. Há as
deixas rascas, do gênero ‘Deixe-me adivinhar o seu signo’ ou ‘Não costuma cá estar
às terças-feiras, pois não?’. Há as deixas pirosas, do gênero ‘Importa-se que
eu lhe diga que você é muito bonita?’ ou ‘Posso só dizer-lhe uma coisa? O seu
namorado tem muita sorte!’. Depois, há as deixas supostamente cool, do tipo ‘O
meu nome é Max e eu toco sax’ ou, mais formal, ‘Muito prazer, Luís Bobone, toco
saxofone’. Ultimamente, a julgar por recentes exemplos, é moda usar deixas críticas,
do gênero ‘Então sempre conseguiu resolver aquilo?’ ou ‘Importa-se de me
segurar a bebida enquanto eu olho para si? É que pode apetecer-me bater palmas’
ou ainda (versão 1987) ‘Não se importa de ficar aqui comigo um bocadinho
enquanto o meu guarda-costas não volta da casa de banho?’.
Todo o amor é um engano. Trata-se é de
nos enganarmos bem.”
Miguel
Esteves Cardoso, in Os Meus Problemas
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