Existe
um único lugar onde o ontem e o hoje se encontram e se reconhecem e se abraçam,
e este lugar e o amanhã. Soam como futuras certas vozes do passado americano
muito antigo. As antigas vozes, digamos, que ainda nos dizem que somos filhos
da terra, e que mãe a gente não vende nem aluga. Enquanto chovem pássaros
mortos sobre a Cidade do México e os rios se transformam em cloacas, os mares
em depósitos de lixo e as selvas em deserto, essas vozes teimosamente vivas nos
anunciam outro mundo que não seja este, envenenador da agua, do solo, do ar e
da alma.
Também nos anunciam outro mundo possível
as vozes antigas que nos falam de comunidade. A comunidade, o modo comunitário
de produção e de vida, e a mais remota tradição das Américas, a mais americana
de todas: pertence aos primeiros tempos e as primeiras pessoas, mas pertence
também aos tempos que vêm e pressentem um novo Mundo Novo. Porque nada existe
menos estrangeiro que o socialismo nestas terras nossas. Estrangeiro e, na
verdade, o capitalismo: como a varíola, como a gripe, veio de longe.
Eduardo
Galeano, in O livro dos abraços
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