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— Até beber
cerveja ficou difícil — queixa-se.
— O preço?
— Não. A
variedade. O embaras du choix.
— Mas se você
já estava acostumado com uma...
— E as novas
que aparecem? Em cada Estado surge uma fábrica, se não surgem duas. Cada qual
oferecendo diversas qualidades. Você senta no bar de sua eleição, um velho bar
onde até as cadeiras conhecem o seu corpo, a sua maneira de sentar e de beber.
Pede uma cervejinha, simplesmente. Não precisa dizer o nome. Aquela que há anos
o garçom lhe traz sem necessidade de perguntar, pois há anos você optou por uma
das duas marcas tradicionais, e daí não sai. Bem, você pede a cervejinha
inominada, e o garçom não se mexe. Fica olhando pra sua cara, à espera de
definição. Você olha para cara dele, como quem diz: Quê que há, rapaz? Então
ele emite um som: Qual? Você pensa que não ouviu direito, franze a testa, num
esforço de captação: qual o quê? Qual a marca, doutor? Temos essa, aquela,
aquela outra, mais outra, e outra, e outras mais. . Desfia o rosário, e você de
boca aberta: Como? Ele está pensando que eu vou beber elas todas? Acha que sou
principiante em busca de aventura? Quer me gozar? Nada disso. O garçom explica,
meio encabulado, que a casa dispõe de 12 marcas de cerveja nacional, fora as
estrangeiras, sofisticadas, e ele tem ordem de cantar os nomes pra freguesia.
Até pra mim, Leovigil? pergunto. Bem, o patrão disse que eu tenho de oferecer
as marcas pra todo mundo, as novas cervejas têm de ser promovidas. Não mandou
abrir exceção pra ninguém, eu é que, em atenção ao doutor, fiquei calado,
esperando a dica... Não quis forçar a barra, desculpe.
— E aí?
— Aí eu disse
que não havia o que desculpar, ordens são ordens e eu não sou de infringir
regulamentos. Os regulamentos é que infringem a minha paz, frequentemente. Mas
para não dar o braço a torcer, nem me declarar vencido pela competição das
cervejas, concluí: Leovigil, traga a de sempre.
— Não quis
dizer o nome?
— Não. Minha
marca de cerveja — "minha garrafa", digamos assim, pois a
individualidade começa pela garrafa — passou a chamar-se "a de
sempre". Não gosto de mudar as estruturas sem justa causa, nem me
interessa dançar de provador de cerveja, entende?
— Mas que
custa experimentar, homem de Deus?
— Só por
experimentar, acho frívolo. Os moços, sim, não encontraram ainda sua definição,
em matéria de cerveja e de entendimento do mundo. Saltam de uma para outra
fruição, tomam pileques de ideologias coloridas, do vermelho ao negro, passando
pelo róseo, pelo alaranjado e pelo furta-cor. Mas depois de certa idade, e de
certa experiência de bebedor, você já sabe o que quer, ou antes, o que não
quer. Principalmente o que não quer. E é isso que os outros querem que você
queira. Tá compreendendo?
— Mais ou
menos.
— Na verdade,
não há muitas espécies de cerveja, no mundo das ideias. Mas os rótulos
perturbam. Uns aparecem com mulher nua, insinuando que o gosto é mais capitoso.
Bem, até agora não vi rótulo de cerveja mostrando mulher com tudo de fora, mas
deve haver. Mulher se oferecendo está em tudo que é produto industrial, por que
não estaria nos sistemas de organização social, como bonificação?
— Você está
divagando.
— Estou.
Divagar é uma forma de transformar pensamentos em nuvem ou em fumaça de
cigarro, fazendo com que eles circulem por aí.
— Ou se
percam.
— E se percam.
Exatamente. 0 importante não é beber cerveja, é ter a ilusão de que nossa
cerveja é a única que presta.
Sujeito
mais conservador! Ou sábio, quem sabe?
Carlos
Drummond de Andrade, in De
notícias & não notícias faz-se a crônica
esse texto prova que o drummond de andrade escrevia bem, mas não manjava merda nenhuma de cerveja.
ResponderExcluirMas o intuito, Anônimo, era degustar o texto e não cerveja.
ResponderExcluirUm abraço.