quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Quase ela deu o "sim", mas..., de Lima Barreto

João Cazu era um moço suburbano, forte e saudável, mas pouco ativo e amigo do trabalho.
Vivia em casa dos tios, numa estação de subúrbios, onde tinha moradia, comida, roupa, calçado e algum dinheiro que a sua bondosa tia e madrinha lhe dava para os cigarros.
Ele, porém, não os comprava; "filava-os" dos outros. "Refundia" os níqueis que lhe dava a tia, para flores a dar às namoradas e comprar bilhetes de tômbolas, nos vários "mafuás", mais ou menos eclesiásticos, que há por aquelas redondezas.
O conhecimento do seu hábito de "filar" cigarros aos camaradas e amigos, estava tão espalhado que, mal um deles o via, logo tirava da algibeira um cigarro; e, antes de saudá-lo, dizia:
—Toma lá o cigarro, Cazu.
Vivia assim muito bem, sem ambições nem tenções. A maior parte do dia, especialmente a tarde, empregava ele, com outros companheiros, em dar loucos pontapés, numa bola, tendo por arena um terreno baldio das vizinhanças da residência dele ou melhor: dos seus tios e padrinhos.
Contudo, ainda não estava satisfeito. Restava-lhe a grave preocupação de encontrar quem lhe lavasse e engomasse a roupa, remendasse as calças e outras peças do vestuário, cerzisse as meias, etc., etc.
Em resumo: ele queria uma mulher, uma esposa, adaptável ao seu jeito descansado.
Tinha visto falar em sujeitos que se casam com moças ricas e não precisam trabalhar; em outros que esposam professoras e adquirem a meritória profissão de "maridos da professora"; ele, porém, não aspirava a tanto.
Apesar disso, não desanimou de descobrir uma mulher que lhe servis convenientemente.
Continuou a jogar displicentemente, o seu football vagabundo e a viver cheio de segurança e abundância com os seus tios e padrinhos.
Certo dia, passando pela porteira da casa de uma sua vizinha mais ou menos conhecida, ela lhe pediu:
— "Seu" Cazu, o senhor vai até à estação?
— Vou, Dona Ermelinda.
— Podia me fazer um favor?
— Pois não.
— É ver se o "Seu" Gustavo da padaria "Rosa de Ouro", me pode ceder duas estampilhas de seiscentos réis. Tenho que fazer um requerimento ao Tesouro, sobre coisas do meu montepio, com urgência, precisava muito.
— Não há dúvida, minha senhora.
Cazu, dizendo isto, pensava de si para si: "É um bom partido. Tem montepio, é viúva; o diabo são os filhos!". Dona Ermelinda, à vista da resposta dele, disse:
— Está aqui o dinheiro.
Conquanto dissesse várias vezes que não precisava daquilo — o dinheiro — o impenitente jogador de football e feliz hóspede dos tios, foi embolsando os nicolaus, por causa das dúvidas.
Fez o que tinha a fazer na estação, adquiriu as estampilhas e voltou para entregá-las à viúva.
Texto completo aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário