É
bom ter um dia complicado se formos nós a complicá-lo, à medida que vamos
andando. São os dias ricos. Nunca sabemos o que vamos fazer a seguir mas
fazemos sempre qualquer coisa a seguir, para não interromper a cadeia.
Em
vez de jantarmos em casa ou jantarmos fora, entramos num restaurante onde
costumamos jantar e comemos apenas um petisco, um
aperitivo. Os anfitriões também apreciam a mudança. É como ir cumprimentá-los.
Metemos
conversa com um casal que só nos parece japonês porque queremos que seja, para
lhes perguntar como preparam a massa Shirataki, que tem zero calorias.
Perguntamos de onde são? Da Holanda, respondem. Os preconceitos, no sentido de
pré-juízos ou pensamentos já feitos (na verdade, substitutos e obstáculos do
conhecimento), são cada vez mais inúteis.
Os
hábitos são diferentes. Para celebrá-los, nem é preciso esquecê-los ou
trocá-los por alternativas, felizes ou desagradáveis. O melhor é interrompê-los
e acrescentar-lhes desvios espontaneamente decididos que enaltecem, através da
diversão, a felicidade subjacente.
Os
dias ricos levam outro dia inteiro a contar. Só fazer a lista do que se fez cansa
tão bem como nadar um quilômetro, devagarinho, num oceano vivo que nos
consente. Dá gosto recontar, mesmo quando o dia foi ontem; mesmo quando o dia é
hoje.
Complicar um dia não é desregrá-lo: é
inventar novas regras para aplicar. O prazer é uma coisa só mas tem muitos
caminhos. Experimentá-los é tão bom como descobri-los.
Miguel
Esteves Cardoso, in Jornal Público (21 Set 2013)
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