Quando
cheguei ao edifício, tomei o elevador que serve do primeiro ao décimo quarto
andar. Era pelo menos o que dizia a tabuleta no alto da porta.
—
Sétimo — pedi.
Eu
estava sendo aguardado no auditório, onde faria uma palestra. Eram as
secretárias daquela companhia que celebravam o Dia da Secretária e que,
desvanecedoramente para mim, haviam-me incluído entre as celebrações.
A
porta se fechou e começamos a subir. Minha atenção se fixou num aviso que
dizia:
É expressamente proibido os funcionários,
no ato da subida, utilizarem os elevadores para descerem.
Desde
o meu tempo de ginásio sei que se trata de problema complicado, este do
infinito pessoal. Prevaleciam então duas regras mestras que deveriam ser
rigorosamente obedecidas, quando se tratava do uso deste traiçoeiro tempo de
verbo. O diabo é que as duas não se complementavam: ao contrário, em certos
casos francamente se contradiziam. Uma afirmava que o sujeito, sendo o mesmo,
impedia que o verbo se flexionasse. Da outra infelizmente já não me lembrava.
Bastava a primeira para me assegurar de que, no caso, havia um clamoroso erro
de concordância.
Mas
não foi o emprego pouco castiço do infinito pessoal que me intrigou no tal
aviso: foi estar ele concebido de maneira chocante aos delicados ouvidos de um
escritor que se preza.
Ah,
aquela cozinheira a que se refere García Márquez, que tinha redação própria!
Quantas vezes clamei, como ele, por alguém que me pudesse valer nos momentos de
aperto, qual seja o de redigir um telegrama de felicitações. Ou um simples
aviso como este:
É expressamente proibido os
funcionários...
Eu
já começaria por tropeçar na regência, teria de consultar o dicionário de
verbos e regimes: não seria aos funcionários? E nem chegaria a contestar a
validade de uma proibição cujo aviso se localizava dentro do elevador e não do
lado de fora: só seria lido pelos funcionários que já houvessem entrado e
portanto incorrido na proibição de pretender descer quando o elevador estivesse
subindo. Contestaria antes a maneira ambígua pela qual isto era expresso:
. . . no ato da subida, utilizarem os
elevadores para descerem.
Qualquer
um, não sendo irremediavelmente burro, entenderia o que se pretende dizer neste
aviso. Pois um tijolo de burrice me baixou na compreensão, fazendo com que eu
ficasse revirando a frase na cabeça: descerem, no ato da subida? Que quer dizer
isto? E buscava uma forma simples e correta de formular a proibição:
É proibido subir para depois descer.
É proibido subir no elevador com intenção
de descer.
É proibido ficar no elevador com intenção
de descer, quando ele estiver subindo.
Descer
quando estiver subindo! Que coisa difícil, meu Deus. Quem quiser que
experimente, para ver só. Tem de ser bem simples:
Se quiser descer, não torne o elevador
que esteja subindo.
Mais
simples ainda:
Se quiser descer, só tome o elevador que
estiver descendo.
De
tanta simplicidade, atingi a síntese perfeita do que Nelson Rodrigues chamava
de óbvio ululante, ou seja, a enunciação de algo que não quer dizer
absolutamente nada:
Se quiser descer, não suba.
Tinha
de me reconhecer derrotado, o que era vergonhoso para um escritor.
Foi
quando me dei conta de que o elevador havia passado do sétimo andar, a que me
destinava, já estávamos pelas alturas do décimo terceiro.
—
Pedi o sétimo, o senhor não parou! — reclamei.
O
ascensorista protestou:
—
Fiquei parado um tempão, o senhor não desceu.
Os
outros passageiros riram:
—
Ele parou sim. Você estava aí distraído.
—
Falei três vezes, sétimo! sétimo! sétimo!, e o senhor nem se mexeu — reafirmou
o ascensorista.
—
Estava lendo isto aqui — respondi idiotamente, apontando o aviso.
Ele
abriu a porta do décimo quarto, os demais passageiros saíram.
—
Convém o senhor sair também e descer noutro elevador. A não ser que queira ir
até o último andar e
na volta descer parando até o sétimo.
—
Não é proibido descer no que está subindo?
Ele
riu:
—
Então desce num que está descendo.
—
Este vai subir mais? — protestei: — Lá embaixo está escrito que este elevador
vem só até o décimo quarto.
—
Para subir. Para descer, sobe até o último.
—
Para descer sobe?
Eu
me sentia um completo mentecapto. Saltei ali mesmo, como ele sugeria. Seguindo
seu conselho, pressionei o botão, passando a aguardar um elevador que estivesse
descendo.
Que
tardou, e muito. Quando finalmente chegou, só reparei que era o mesmo pela cara
do ascensorista, recebendo-me a rir:
—
O senhor ainda está por aqui?
E
fomos descendo, com parada em andar por andar. Cheguei ao auditório com 15
minutos de atraso. Ao fim da palestra, as moças me fizeram perguntas, e uma
delas quis saber como nascem as minhas histórias. Comecei a contar:
— Quando cheguei ao edifício, tomei o
elevador que serve do primeiro ao décimo quarto andar. Era pelo menos o que
dizia a tabuleta no alto da porta.
Fernando
Sabino, in A volta por cima
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