Se fosses louca por mim, ah eu dava
pantana, eu corria na praça, eu te chamava para ver o afogado. Se fosses louca
por mim, eu nem sei, eu subia na pedra mais alto, altivo e parado, vendo o
mundo pousado a meus pés. Oh, por que não me dizes, morena, que és louca
varrida por mim? Eu te conto um segredo, te levo à boate, eu dou vodca pra você
beber! Teu amor é tão grande, parece um luar, mas lhe falta a loucura do meu.
Olhos doces os teus, com esse olhar de você, mas por que tão distante de mim?
Lindos braços e um colo macio, mas porque tão ausentes dos meus? Ah, se fosses
louca por mim, eu comprava pipoca, saía correndo, de repente me punha a cantar.
Dançaria convosco, senhora, um bailado nervoso e sutil. Se fosses louca por
mim, eu me batia em duelo sorrindo, caía a fundo num golpe mortal. Estudava
contigo o mistério dos astros, a geometria dos pássaros, declamando poemas
assim: "Se eu morresse amanhã... Se fosses louca por mim... ". Se
você fosse louca por mim, ô maninha, a gente ia ao Mercado, ao nascer da manhã,
ia ver o avião levantar. Tanta coisa eu fazia, ó delícia, se fosses louca por
mim! Olha aqui, por exemplo, eu pegava e comprava um lindo peignoir pra você.
Te tirava da fila, te abrigava em chinchila, dava até um gasô pra você. Diz por
que, meu anjinho, por que tu não és louca-louca por mim? Ai, meu Deus, como é
triste viver nesta dura incerteza cruel! Perco a fome, não vou ao cinema, só de
achar que não és louca por mim. (E no entanto direi num aparte que até gostas
bastante de mim...). Mas não sei, eu queria sentir teu olhar fulgurar contra o
meu. Mas não sei, eu queria te ver uma escrava morena de mim. Vamos ser, meu
amor, vamos ser um do outro de um modo total? Vamos nós, meu carinho, viver num
barraco, e um luar, um coqueiro e um violão? Vamos brincar no Carnaval, hein,
neguinha, vamos andar atrás do batalhão? Vamos, amor, fazer miséria, espetar
uma conta no bar? Você quer eu provoque uma briga pra você torcer muito por
mim? Vamos subir no elevador, hein, doçura, nós dois juntos subindo, que bom!
Vamos entrar numa casa de pasto, beber pinga e cerveja e xingar? Vamos,
neguinha, vamos na praia passear? Vamos ver o dirigível, que é o assombro
nacional? Vamos, maninha, vamos, na rua do Tampico, onde o pai matou a filha, ô
maninha, com a tampa do maçarico? Vamos maninha, vamos morar em jurujuba, andar
de barco a vela, ô maninha, comer camarão graúdo? Vem cá, meu bem, vem cá, meu
bem, vem cá, vem cá, vem cá, se não vens bem depressinha, meu bem, vou contar
para o seu pai. Ah, minha flor, que linda, a embriaguez do amor, dá um frio
pela espinha, prenda minha, e em seguida dá calor. És tão linda, menina, se te
chamasses Marina, eu te levava no banho de mar. És tão doce, beleza, se te
chamasses Teresa, eu teria certeza, meu bem. Mas não tenho certeza de nada, ó
desgraça, ó ruína, ó Tupá! Tu sabias que em ti tem taiti, linda ilha do amor e
do adeus? tem mandinga, tem mascate, pão-de-açúcar com café, tem chimborazo,
kamtchaka, tabor, popocatepel? tem juras, tem jetaturas e até danúbios azuis,
tem igapós, jamundás, içás, tapajós, purus! - tens, tens, tens, ah se tens!
tens, tens tens, ah se tens! Meu amor, meu amor, meu amor, que carinho tão bom
por você, quantos beijos alados fugindo, quanto sangue no meu coração! Ah, se
fosses louca por mim, eu me estirava na areia, ficava mirando as estrelas. Se
fosses louca por mim, eu saía correndo de súbito, entre o pasmo da turba
inconsútil. Eu dizia : Woe is me! Eu dizia: helàs! pra você… Tanta coisa eu
diria que não há poesia de longe capaz de exprimir. Eu inventava linguagem, só
falando bobagem, só fazia bobagem, meu bem. Ó fatal pentagrama, ó lomas
valentinas, ó tetrarca, ó sevícia, ó letargo! Mas não há nada a fazer, meu
destino é sofrer: e seria tão bom não sofrer. Porque toda a alegria tua e minha
seria, se você fosse louca por mim… Mas você não é louca por mim... Mas você
não é louca por mim...
Vinicius
de Moraes
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