“A esfera da consciência reduz-se na ação; por isso
ninguém que aja pode aspirar ao universal, porque agir é agarrar-se às
propriedades do ser em detrimento do ser, a uma forma de realidade em prejuízo
da realidade. O grau da nossa emancipação mede-se pela quantidade das
iniciativas de que nos libertamos, bem como pela nossa capacidade de converter
em não-objeto todo o objeto. Mas nada significa falar de emancipação a
propósito de uma humanidade apressada que se esqueceu de que não é possível
reconquistar a vida nem gozá-la sem primeiro a ter abolido.
Respiramos demasiado depressa para sermos capazes
de captar as coisas em si próprias ou de denunciar a sua fragilidade. O nosso
ofegar postula-as e deforma-as, cria-as e desfigura-as, e amarra-nos a elas. Agito-me
e portanto emito um mundo tão suspeito como a minha especulação, que o
justifica, adoto o movimento que me transforma em gerador de ser, em artesão de
ficções, ao mesmo tempo que a minha veia cosmogônica me faz esquecer que,
arrastado pelo turbilhão dos atos, não passo de um acólito do tempo, de um
agente de universos caducos.
Empanturrados de sensações e do seu corolário, o
devir, somos seres não libertos, por inclinação e por princípio, condenados de
eleição, presas da febre do visível, pesquisadores desses enigmas de superfície
que estão à altura do nosso desânimo e da nossa trepidação.
Se queremos recuperar a nossa liberdade, devemos
pousar o fardo da sensação, deixar de reagir ao mundo através dos sentidos,
romper os nossos laços. Ora, toda a sensação é um laço, tanto o prazer como a
dor, tanto a alegria como a tristeza. Só se liberta o espírito que, puro de
toda a convivência com seres ou com objetos, se aplica à sua vacuidade.
Resistir à sua
felicidade é coisa que a maioria consegue; a infelicidade, no entanto, é muito
mais insidiosa. Já a provastes? Jamais vos sentires saciados, procurá-la-eis
com avidez e de preferência nos lugares onde ela não se encontra, mas projetá-la-eis
neles, porque, sem ela, tudo vos pareceria inútil e baço. Onde quer que a
infelicidade se encontre, expulsa o mistério e torna-o luminoso. Sabor e chave
das coisas, acidente e obsessão, capricho e necessidade, far-vos-á amar a
aparência no que ela tem de mais poderoso, de mais duradouro e de mais
verdadeiro, e amarrar-vos-á para sempre porque, ‘intensa’ por natureza, é, como
toda a ‘intensidade’, servidão, sujeição. A alma indiferente e nula, a alma
desentravada - como chegar a ela? E como conquistar a ausência, a liberdade da
ausência? Tal liberdade jamais figurará entre os nossos costumes, tal como
neles não figurará o ‘sonho do espírito infinito’”.
Emil Cioran, in Pensar Contra Si Próprio
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