Qian-Qnei,
voltando de madrugada, depois de um mês de viagem, teve que bater violentamente
na porta de casa até que a mulher o atendesse.
Caindo
de cansaço, e irritado pela aparente desatenção, o homem esculhambou a mulher
e, apesar de morto de fome, resolveu se deitar sem comer. A mulher, também
zangada, virou pro lado na cama e, quando ele acendeu a luz, gritou:
"Apaga essa porcaria que eu quero dormir!".
O
homem apagou mas, apesar do escuro, viu a ponta de dois tamancos holandeses,
vermelhos, aparecendo suspeitamente embaixo da cama. Envenenado de ódio, sentiu
o sangue lhe subir à cabeça, pegou silenciosamente sua cimitarra (1), pronto
para um ato de violência, quando se lembrou da lição existencial de seu mestre
de filosofia, Ku-En-Puí: "Pense dez vezes e meia antes de uma ação que
possa ser fatal".
Qian-Qnei
se acalmou ao lembrar o conselho e refletiu lá consigo próprio: "Dormirei
um sono tranquilo, e amanhã, mais calmo, ajusto contas com meu amargo
destino". Mas, assim que Qian-Qne dormiu e começou a roncar, a mulher,
sabiamente, trocou o par de tamancos vermelhos que o amante holandês (2) tinha
abandonado no pavor da fuga, e botou no seu lugar um par de borzeguins
dourados, do marido.
"Ah!",
exclamou Qian-Qnie alegremente, ao acordar de manhã. "Extraordinário!
Bastou passar a raiva, pra que eu visse melhor. Como é que eu fui confundir
meus melhores borzeguins dourados com um par de tamancos vermelhos? Devia estar
mesmo muito fora de mim. Se agisse precipitadamente, ontem à noite, teria
ficado completamente ridicularizado diante de minha querida mulher".
(1) Mongol usa cimitarra?
(2) Amante holandês na Mongólia? Eta, globalização!
(2) Amante holandês na Mongólia? Eta, globalização!
MORAL:
DEVEMOS SEMPRE AGIR ÀS CLARAS.
Millôr
Fernandes, in Fábulas Fabulosas
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