Eu
sei que a coisa é séria. Se o Kim Jong-un disparar mesmo os foguetes que está
ameaçando disparar contra bases americanas na Ásia, teremos uma guerra nuclear
com dimensões e consequências imprevisíveis. Mas lendo sobre o perigo iminente
não pude deixar de pensar na história do homem que foi atropelado por uma
carrocinha de pipoca. Era um homem cauteloso que olhava para os dois lados
antes de atravessar a rua e só atravessava no sinal, e que dificilmente um
carro pegaria. Mas que um dia não viu que vinha uma carrocinha de pipoca, e
paft. Já no ambulatório do hospital, onde lhe deram uns pontos no braço, o
homem disse que tinha sido atropelado por um motoboy. Em casa, contou que tinha
sido atropelado por um carro e só por sorte escapara da morte. Naquela noite,
para os amigos que souberam do acidente e foram visitá-lo, especificou: tinha
sido atropelado por um BMW. No dia seguinte disse aos colegas de trabalho que
tinha sido atropelado por um caminhão e não sofrera mais do que um corte no
braço por milagre. E quando um dos colegas de trabalho comentou que tinha visto
o acidente e vira o homem ser atropelado por uma carrocinha de pipoca, gritou:
"Calúnia!".
Por
que me lembrei do homem que tinha vergonha de ter sido atropelado por uma
carrocinha de pipoca? Desde o fim da Guerra Fria a possibilidade de um
confronto nuclear entre duas potências, os Estados Unidos e a Rússia, diminuiu,
mas os estoques de armas nucleares continuaram e sua proliferação também.
Israel se segura para não usar seus foguetes para destruir as bombas nucleares
que o Irã está ou não está construindo, Índia e Paquistão vivem comparando seus
respectivos arsenais nucleares como guris comparando seus pipis, a França e a
Inglaterra têm a bomba... Enfim, ainda se vive num frágil equilíbrio de terror
possível, exigindo de todos os nucleares um cuidado extremo, um cuidado de
atravessar a rua sem serem atropelados pelo imprevisto. E aí aparece o Kim
Jong-un empurrando uma carrocinha de pipoca em alta velocidade...
Thatcher. Margaret Thatcher, aquela que
encantou tantos com sua sentença de que sociedade não existe, lutou duas
grandes guerras: uma contra o sindicato dos mineiros ingleses e outra contra os
argentinos para que as ilhas Malvinas continuassem Falklands. Esta última teve
mais mortos mas foi mais fácil. Sua vitória sobre os mineiros arrasou com os
sindicatos e lhe deu forças para arrasar com o sistema de bem-estar social da
Inglaterra e sua vitória sobre os generais de opereta da Argentina lhe rendeu
glória e votos. No seu prontuário, além dos mortos para conservar um cisco do
império no Atlântico Sul estão presos irlandeses em greve de fome que ela
deixou morrer e todas as vítimas do neoliberalismo triunfante.
Luís
Fernando Veríssimo, in
www.estadao.com.br, de 11/04/2013
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