A
única maneira de conviver com um elefante na sala é fingir que ele não está
ali. Ignorá-lo. Se algum visitante desavisado perguntar o que um elefante está
fazendo na sua sala, a resposta padrão deve ser "Que elefante?". No
Brasil nos acostumamos a conviver com elefantes na sala. Exemplo: só quase 30
anos depois do fim do período de exceção inaugurado em 1964 uma comissão começa
a procurar a verdade sobre o que realmente aconteceu durante o período. Por
quase 30 anos este elefante específico não mereceu atenção e viveu entre nós
como um parente apenas vagamente incômodo. A tal comissão não vai punir, antes
tarde do que nunca, os desmandos da época. Os criminosos de então estão
anistiados, mesmo identificados não sofrerão castigo ou sequer reprimendas da sua
própria corporação. Mas pelo menos o elefante está sendo reconhecido. E citado.
Outros
elefantes continuam ignorados, e continuam na sala. Hoje não há nenhuma dúvida
de que o cigarro mata e o fumo é a principal causa do câncer no Brasil e no
mundo. No caso do Brasil só o volume de impostos que a indústria do fumo paga
ao governo explica que não haja um combate mais aberto e decisivo ao vício
assassino. Em alguns casos a indústria tem até vantagens fiscais. Já o volume
de impostos não pagos pelas religiões organizadas explica a proliferação de
Igrejas e seitas no País e a presença de pastores evangélicos brasileiros nas
listas dos mais ricos do mundo. Mas a isenção dada ao negócio da religião é um
dos assuntos intocáveis do País, um elefante enorme cuja presença na sala nem a
imprensa nem ninguém se anima a reconhecer.
Potência. Contam que o Stalin, avisado de
que determinada decisão iria desagradar ao Vaticano, teria perguntado "E
quantas divisões tem o papa?". Descontando-se a Guarda Suíça, que só
existe para fins decorativos, o papa, como se sabe, não tem tropas. Mas o Stalin
se espantaria com a demonstração de poder do Vaticano dada pela cobertura da
renúncia do papa e das especulações sobre o seu sucessor. Páginas e páginas de
jornal, horas e horas de televisão - um triunfo de potência desarmada. A União
Soviética tinha as divisões. Não tinha as relações públicas da Igreja.
Luís
Fernando Veríssimo, in www.estadao.com.br,
de 07/03/2013
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