Então,
não sei se você se lembra, nos veio aquela vontade súbita de comer siris. Havia
anos que nós não comíamos siris e a vontade surgiu de uma conversa sobre os
almoços de antigamente. Lembro-me bem — e não sei se você se lembra — que o
primeiro a ter vontade de comer siris fui eu, mas que você aderiu logo a ela,
com aquele entusiasmo que lhe é peculiar, sempre que se trata de comida ou de
mulher.
Então,
não sei se você se lembra, começamos a rememorar os lugares onde se poderia
encontrar uma boa batelada de siris, para se comprar, cozinhar num panelão e
ficar comendo de mãos meladas, chão cheio de cascas do delicioso crustáceo e
mais uma para rebater de vez em quando. E só de pensar nisso a gente deixou pra
lá a vontade pura e simples e passou a ter necessidade premente de comer siris.
Então,
não sei se você se lembra, telefonamos para o Raimundo, que era o campeão
brasileiro de siris e, noutros tempos, dava famosos festivais do apetitoso
bicho em sua casa. Ele disse que, aos domingos, perto do Maracanã, havia um
botequim que servia siris maravilhosos, ao cair da tarde. Não sei se você se
lembra que ele frisou serem aqueles os melhores siris do Rio, como também os
únicos em disponibilidade, numa época em que o siri anda vasqueiro e só é
vendido naquelas insípidas casquinhas.
Ah...
foi uma alegria saber que era domingo e havia siris comíveis e, então, nos dois
— não sei se você se lembra — apesar da fome que o uisquinho estava nos dando —
resolvemos não almoçar para ficar com mais vontade ainda de comer siris. Passamos
incólumes pela refeição, enquanto o resto do pessoal entrava firme num feijão
que cheirava a coisa divina do céu dos glutões. O pessoal — aliás — achava que
era um exagero nosso, guardar boca para um siri que só comeríamos à tarde,
porque podíamos perfeitamente ter preparo estomacal para eles, após o almoço.
Mas
— não sei se você se lembra — fomos de uma fidelidade espartana aos siris.
Saímos para o futebol com uma fome impressionante e passamos o jogo todo a
pensar nos siris que comeríamos ao sair do Maracanã.
Então — não sei se você se lembra —
saímos dali como dois monges tibetanos a caminho da redenção e chegamos no tal
botequim. Então — não sei se você se lembra — que a gente chegou e o homem do
botequim disse que o siri já tinha acabado.
Stanislaw
Ponte Preta, in Garoto linha dura
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