terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Um disco fundamental da MPB

Luiz Melodia
Pérola Negra - 1973

A inegável influência negra na música brasileira transformou-a numa das mais ricas do planeta, se não fossem nossos irmãos africanos que para aqui vieram sofrer no cativeiro infortúnios de toda ordem não teríamos a oportunidade de penetrar e incorporar toda a sua riqueza cultural, mas se o preço para essa inserção da cultura negra em nossos costumes foi muito dura e cruel, o que dela temos hoje é um patrimônio inestimável. Deve-se também aqui exaltar a obstinação e a luta de nossos ancestrais africanos em não deixar que suas matrizes culturais fossem excluídas da convivência cotidiana de nossa sociedade, impondo-a com muita luta a sua penetração e adquirindo ao longo da história o lugar de destaque que hoje muito nos orgulha. Dessa contribuição temos no caso da música popular o samba como a sua maior representação. Contudo, é importante ressaltar que o Brasil mesmo conservando a sua integridade cultural sempre esteve aberto a sofrer influências de outros povos e a incorporá-las ao nosso acervo artístico, subtraindo dessas manifestações alienígenas apenas a forma, mas enriquecendo-a com um conteúdo nosso. Desse modo, tudo o que aqui se produz ou se produziu acaba tendo uma conotação verde e amarela.
É claro que há algumas exceções como, por exemplo, o funk e o rap que incorporam elementos da cultura negra norte americana e transformam nossos jovens de periferia ou morros em meros coadjuvantes de negros americanos de bairros como o Bronks de Nova Iorque, numa inconsciente tentativa de sobreviver a sombra e ao espelho de seus pares da América do Norte. Mas se a problemática social daqui é mais cruel e existem especificidades que nos diferenciam dos americanos, nada justifica que copiemos uma arte que só tem características nacionais apenas no modo de se expressar literariamente, se é que podemos chamar de literatura as letras de raps e funks (argh!). De resto, roupas, acessórios, modo de ver e sentir a vida espelham-se nos seus ídolos da parte rica do planeta sonhando em ser um dia como eles.
Mas se a visão pode ser contestada ou até considerada radical por muitos, vejamos o que seja então cultura brasileira formada por influências musicais estrangeiras, mas inegavelmente com sabor brasílico, puro. Essa fusão rítmica que invadiu nossa praia nos finais dos anos sessenta e adquiriu substância no início da década seguinte teve alguns representantes que hoje são tidos como elementos fundamentais para a compreensão da música popular enquanto atividade cultural e de afirmação de nacionalidade.
Logo depois da consagração de Jorge Ben, do surgimento da Tropicália e da ascensão de Tim Maia, novas tendências se vislumbravam para a música popular, que buscava caminhos alternativos para uma afirmação cultural que não desprezava o que estava sendo realizado fora de nossas fronteiras, mas buscando nela elementos que incorporados ao nosso padrão tradicional revitalizariam a nossa canção e daria a ela uma feição contemporânea e universal. Essa visão estava baseada principalmente na fusão do rock, do blues e da black music com a tradicional MPB. Um dos artistas que souberam captar este momento produzindo uma arte pessoal e intranferível foi o carioca do morro do Estácio, Luiz Melodia. Nascido num berço do samba, a sua música receberia influências que a unia a tradição de bambas como Ismael Silva, Newton Bastos, Alcebíades Barcelos e Armando Marçal, incorporando elementos tropicalistas fundindo-os com o som que vinha da terra dos ianques, nacionalizando-o e surpreendendo pela qualidade literária e musical, ou seja, revelando uma nova linguagem de produzir música brasileira.
Depois de ter algumas de suas composições gravadas por nomes como Gal Costa, Pérola negra, título de uma de suas mais conhecidas canções, composta inicialmente com o nome de My black mas substituída a pedido do poeta baiano Wally Salomon que a apresentou a Gal tendo esta interpretado e lançado do disco show Fa-tal. O sucesso foi imediato e o nome de Luiz Melodia começava a se firmar de modo irreversível. Em 1972 Maria Bethania gravaria no LP Drama outro sucesso do jovem compositor, Estácio, holly Estácio, música em que se observa divisões rítmicas inusitadas, realçando a sua musicalidade ao nível da própria camada fônica do texto.
De bem com o sucesso como compositor, faltava se apresentar como intérprete de suas próprias obras, desse modo lança seu primeiro disco em 1973 com o título de Pérola negra, surgido com uma provocante mistura de estilos musicais como por exemplo, pop em Vale quanto pesa; forró, em Forró de janeiro; rock balada, em Objeto h, soul em, Abundantemente morte, rock, em Pra aquietar; choro, em Estácio eu e você, mpb/pop em Magrelinha, a surpreendente Farrapo humano em que ele transita por diversos estilos conseguindo nessa fusão rítmica uma linguagem que retrata seu universo trágico e violento, caracterizado pela sua origem de menino pobre dos morros cariocas, alem das já citadas e gravadas pelas intérpretes baianas.
Um caldeirão da mais alta qualidade que revela a busca de novas tendências musicais cujos resultados é a universalização da música brasileira mantendo, porém, sua essência preservada. Desse modo, através da sensibilidade e percepção artística de Luiz Melodia, vemos que quando a influência é digerida na dose certa, ela acaba por se tornar um produto de marca registrada verde e  amarela, afinal é preciso olhar para frente, observar tendências, absorvê-las, mas manter-se fiel a tradição, isso é, revigorar e amadurecer a nossa estética musical, já a cópia, é um sinal oposto a todas essas questões. Desse modo, ouvir Luiz Melodia, neste disco clássico/contemporâneo é poder observar que a música brasileira se adequa, mas não perde sua integridade, e é assim que deve ser, sempre.
Luiz Américo Lisboa Junior, in www.luizamerico.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário