“[...]
Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir
um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por
outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras
coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso
fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Até
mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os
americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda
de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois,
com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como
uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande
perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa
mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita
timidez.
Antes
de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que
poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me
contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de
saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta
brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da
natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por
pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”
Clarice
Lispector
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