“Examinemo-nos
no momento em que a ambição nos trabalha, em que lhe sofremos a febre; dissequemos
em seguida os nossos ‘acessos’. Verificaremos que estes são precedidos de
sintomas curiosos, de um calor especial, que não deixa nem de nos arrastar nem
de nos alarmar. Intoxicados de porvir por abuso de esperança, sentimo-nos de
súbito responsáveis pelo presente e pelo futuro, no núcleo da duração,
carregada esta dos nossos frêmitos, com a qual, agentes de uma anarquia
universal, sonhamos explodir. Atentos aos acontecimentos que se passam no nosso
cérebro e às vicissitudes do nosso sangue, virados para o que nos altera,
espiamos-lhe e acarinhamos-lhe os sinais. Fonte de perturbações, de transtornos
ímpares, a loucura política, se afoga a inteligência, favorece em contrapartida
os instintos e mergulha-os num caos salutar. A ideia do bem e sobretudo do mal
que imaginamos ser capazes de cumprir regozijar-nos-á e exaltar-nos-á; e o
feito das nossas enfermidades, o seu prodígio, será tal que elas nos
instituirão senhores de todos e de tudo.
À nossa volta, observaremos uma alteração
análoga naqueles que a mesma paixão corrói. Enquanto sofrerem o seu império,
serão irreconhecíveis, presas de uma embriaguez diferente de todas as outras.
Tudo mudará neles, até o timbre da voz. A ambição é uma droga que faz um
demente em potência daquele que se lhe entrega. Esses estigmas, esse ar de fera
desvairada, essas linhas inquietas, e como que animadas por um êxtase sórdido,
quem não os tiver observado nem em si próprio nem em outrem permanecerá
estranho aos malefícios e aos benefícios do Poder, inferno tônico, síntese de
veneno e de panaceia.”
Emil Cioran,
in História e Utopia
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