domingo, 16 de dezembro de 2012

Um disco fundamental da MPB: Elomar

Elomar
... Das barrancas do Rio Gavião (1973)

Dos cafundó do Judá meu sinhô, surgiu um cantadô que veio falá das beleza do meu sertão in frô e das mazela do sertanejo sofredô. Sinceramente eu não vejo outra maneira de iniciar estas pequenas linhas para falar sobre a caatinga da Bahia e de seu mais valoroso intérprete, o cidadão Elomar Figueira de Melo. Quem conhece o Estado da Bahia sabe muito bem que a cultura que impera e é exportada é aquela parida na capital e no recôncavo, mas ocorre que são poucos os que se debruçam sobre as várias Bahias, que é desconhecida inclusive por muitos de seus habitantes e do resto do país. Este Estado singular e plural demonstra sua força criativa e a pujança de sua cultura nas diversas manifestações representadas por sua população interiorana, muitas ainda conservando tradições seculares. E é justamente esta representação que brota do talento criador deste catingueiro, oriundo das terras de Vitória de Conquista, vindo ao mundo no dia de Nosso Senhor Jesus Cristo de 21 de dezembro de 1937.
Moço danado, saiu de sua terra e foi fazer a vida na capital, depois de ter-se envolvido com violas e violeiros de seu chão, ouvindo estórias que iriam carregar seu imaginário e que se transformariam em lindas poesias musicadas anos mais tarde. Mas antes que a música viesse a se tornar em seu elemento principal de sobrevivência, o catingueiro viu e venceu na cidade grande, formando-se em Arquitetura na conceituada Universidade Federal da Bahia. Parabéns! E agora o que fazer com o diploma, se a viola falava mais alto, e em vez de cálculos estruturais o que ele queria mesmo era papel, lápis, uma pauta e escrever suas lindas melodias? É o fim! Acabou-se a carreira de Arquiteto, pois entre a prancheta e a viola ele preferiu a última, para alegria e contentamento do seu povo e da cultura brasileira.
O caminho foi árduo, pois nem todos estavam preparados para ouvir e captar a sua mensagem, afinal de contas, com quem ficou as reminiscências de nossas tradições ibéricas, e quem se preocupou em representá-las como um dos elos mais fortes de nossa formação enquanto povo desde os tempos coloniais! Muitos dirão! Ora isso é coisa para os livros, eu quero mesmo é saber de minha música e poesia urbana, esta sim me representa e me faz ser reconhecido, afinal a Bahia é ou não é a mistura do samba de roda com acarajé e abará tropicalista? Pois quando todo mundo pensava que era somente isso, surge em 1973 um disco que foge aos padrões tradicionais da nobre e elevada cultura baiana. Das Barrancas do Rio Gavião, esse é o seu nome e seu autor é o mesmo catingueiro, ex-arquiteto e agora o artista ibérico/baiano/medieval Elomar Figueira de Melo.
Este é o marco da transformação da Bahia de volta as suas mais remotas tradições já tão esquecidas, vamos fazer uma revisão da nossa história, olhar em torno, descobrir-nos. E foi assim que aconteceu, porém a visibilidade não foi imediata, o sucesso não ocorreu logo, mas um baiano por adoção, vislumbrou a revolução que iria se projetar sobre as terras da Bahia, logo ele que viveu entre uísques nos mais badalados lugares deste planeta, com as mais lindas mulheres, com pose de intelectual Zona Sul Carioca, logo ele, Vinicius de Moraes, escreve a contra capa do LP de Elomar, dando-lhe as boas vindas. O poetinha sabia das coisas! E o violeiro pede passagem, conta sua história e chega pra ficar!
O disco nos traz doze canções hoje clássicas do repertório sertanejo baiano e nacional, como O violeiro que abre o LP e onde o cantador se apresenta servindo inclusive de cartão de visita do próprio artista e de sua proposta musical. Retirada é outro momento mágico, e que narra a saga dos fugitivos da seca em busca de uma sobrevivência menos penosa, fez muito sucesso e foi incluída na trilha sonora da novela global Gabriela, inspirada no romance de Jorge Amado. Revolucionário, enquanto proposta musical, este disco de Elomar inaugura um capítulo importante da música popular brasileira porque nos revela paisagens, situações, linguajar e um modus vivendi desconhecido da grande maioria de nosso povo que via no estereótipo do sertanejo apenas a figura do vaqueiro e do cangaceiro, símbolos de um imaginário reconstruído e contextualizado na sua inteireza e crueza por Elomar.
A partir também dessa obra ele proporciona o surgimento de uma nova escola musical em que o sertão será o tema principal, porém, reinventado nas vozes dos inúmeros cantadores que ouviram e tiveram e ainda têm em Elomar seu grande mestre, que o diga Xangai, Dércio Marques, Fábio Paes e muitos outros.
Por inaugurar um novo rumo e um novo olhar sobre o homem do interior e revelar em sua pureza e integridade um Brasil profundo pouco conhecido, este disco de Elomar se insere entre os mais importantes trabalhos da história da música popular brasileira, marco de um tempo e de uma redescoberta de nós mesmos e de nossa ancestralidade. Nele esta o Brasil que precisamos conhecer, admirar e redimir!
Luiz Américo Lisboa Junior, in www.luizamerico.com.br

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