Fotograma do filme Vidas Secas
Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se.
Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra
no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta.
Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam
ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.
Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de
ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez
um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.
- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com
certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem:
era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado,
tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra
alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos
brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos,
alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano.
Isso para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um
bicho, capaz de vencer dificuldades.
Chegara naquela situação medonha – e ali estava,
forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha.
- Um bicho,
Fabiano.
Graciliano Ramos, in Vidas secas
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