quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Gonzaga, pai e filho


Na tela explodem corações. Na plateia, lágrimas pela história comovente e canto silencioso pelas belíssimas canções. Dois talentos da música popular brasileira, que a vida juntou pelo sangue e desuniu no dia a dia da carreira de um e do crescimento do outro. Desencontros familiares levados ao extremo.
Um era o Luiz Gonzaga, ídolo maior de gerações de brasileiros. Este, quando as astúcias cruéis do mercado acenavam com o ostracismo, teve as mãos do filho para trazê-lo de volta aos palcos com o nome de Gonzagão para contrastar com o filho, Gonzaguinha. Para voltar a ser considerado grande teve que se unir ao moleque.
O Luizinho eu conheci, lá pelos idos de 1968, batendo na porta de um apartamento em Copacabana. Queria falar com o Milton Nascimento para lhe pedir que cantasse sua música, O trem, num festival estudantil da antiga TV Tupi. Mas o Milton estava em Minas por alguns dias. Eu e a namorada passávamos um tempo no pequeno apartamento da Travessa Angrense. Depois de três tentativas ele desistiu e resolveu cantar ele mesmo a canção. Assisti pela televisão à sua vitória e ao início de seu sucesso.
Os anos se passaram e nos tornamos amigos absolutos. Morou primeiro em minha casa, na Cachoeirinha, já com intenção de morar em Minas. Depois, com a companheira mineira, fez sua própria casa, lugar de encontro, por 10 anos, de muitos amigos da vida cultural de Belo Horizonte. Na cozinha de minha casa, sentávamos ele, eu e minha mulher em uma pequena mesa de pequenas cadeiras, de minhas filhas, e passávamos horas em conversas sobre o mundo, o Brasil, a vida e tudo o mais.
Assisti ao constante aprimoramento de sua delicadeza. Sua história era repleta de mágoas, injustiças. Mas ele guardou bem o amor e a generosidade de Dina e Xavier, que o criaram no Morro de São Carlos. Foi tecendo aos poucos sua obra original, conquistou multidões, embalou corações.
Ao mesmo tempo, foi costurando a abertura do livro de sua vida, começando por gravar uma série de diálogos ásperos e elucidadores com o pai Gonzaga. Romperam-se todos os diques e, sem nenhuma psicanálise, foram os dois compondo um acerto de contas com o passado comum.
Das trevas do desentendimento foram surgindo pequenas luzes de compreensão, de respeito, peitos abertos para o que viesse. E o que veio foi a união dos dois diante de um tempo novo. E os dois cantaram juntos a canção imortal de brasilidade e beleza. E o povo cantou com eles: é a vida, é a vida, é a vida. Minha vida é andar por esse país pra ver se um dia me encontro feliz.
Obrigatório assistir ao filme Gonzaga, de pai para filho.
Fernando Brant, in Caderno EM Cultura - Jornal Estado de Minas - 28/11/2012

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