Então, de
repente, no meio dessa desarrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho
de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas
providências a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar tantos
cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me fazem falta. São uma
necessidade que inventei. Por que beber uísque, por que procurar a voz de
mulher na penumbra ou os amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco,
saber intrigas?
Uma vez, entrando
numa loja para comprar uma gravata, tive de repente um ataque de pudor me
surpreendendo assim, a escolher um pano colorido para amarrar ao pescoço.
A vida bem
poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher, que
mais? Que se possa andar limpo e não ter fome, nem sede, nem frio. Para que
beber tanta coisa gelada? Antes eu tomava a água fresca da talha, e a água era
boa. E quando precisava de um pouco de evasão, meu trago de cachaça.
Que restaurante
ou boate me deu o prazer que tive na choupana daquele velho caboclo do Acre? A
gente tinha ido pescar no rio, de noite. Puxamos a rede afundando os pés na
lama, na noite escura, e isso era bom. Quando ficamos bem cansados, meio
molhados, com frio, subimos a barranca, no meio do mato, e chegamos à choça de
um velho seringueiro. Ele acendeu um fogo, esquentamos um pouco junto do fogo,
depois me deitei numa grande rede branca — foi um carinho ao longo de todos os
músculos cansados. E então ele me deu um pedaço de peixe moqueado e meia caneca
de cachaça. Que prazer em comer aquele peixe, que calor bom em tomar aquela
cachaça e ficar algum tempo a conversar, entre grilos e votes distantes de
animais noturnos.
Seria possível
deixar essa eterna inquietação das madrugadas urbanas, inaugurar de repente uma
vida de acordar bem cedo? Outro dia vi uma linda mulher, e senti um entusiasmo
grande, uma vontade de conhecer mais aquela bela estrangeira: conversamos
muito, essa primeira conversa longa em que a gente vai jogando um baralho meio
marcado, e anda devagar, como a patrulha que faz um reconhecimento. Mas por
que, para que, essa eterna curiosidade, essa fome de outros corpos e outras
almas?
Mas para
instaurar uma vida mais simples e sábia, então seria preciso ganhar a vida de
outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício
absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas... Seria preciso fazer algo de
sólido e de singelo: tirar areia do rio, cortar lenha, lavrar a terra, algo de
útil e concreto, que me fatigasse o corpo, mas deixasse a alma sossegada e
limpa.
Todo mundo, com certeza, tem de
repente um sonho assim. E apenas um instante. O telefone toca. Um momento!
Tiramos um lápis do bolso para tomar nota de um nome, um número... Para que
tomar nota? Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver — sem
nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras
e o ribeirão.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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