sábado, 1 de setembro de 2012

Um disco fundamental da MPB

Ismael Silva
O samba na voz do sambista - 1955 


Como podemos definir as riquezas de um país? Através da sua pujança econômica, de suas riquezas naturais, da qualidade de vida da sua população, de sua renda per capita, pelo nível da educação de seus habitantes, enfim, esses inegavelmente e alguns outros atributos fazem parte do que podemos chamar de condições básicas para a identificação de uma nação plenamente desenvolvida. Mas será que apesar das suas carências outros países menos afortunados economicamente não podem também ser considerados como países ricos? A riqueza não se traduz unicamente em acúmulos de bens materiais que proporcionam um bem estar a sua população, apesar deste ser o critério mais utilizado. E seus bens imateriais, sua cultura, as características essenciais de sua gente que a fazem destacar-se no computo das nações, será que não deve ser levado em consideração?
Alguns irão dizer que sim, mas ressalvando que devem vir sempre acompanhadas de uma condição plena de sustentação econômica para que possa inclusive sobreviver num cenário mundial onde o que vale não é o exotismo ou a essência de suas raízes culturais mais a maneira como ela deve se impor como um produto que possibilite a visibilidade necessária para que possa ser reconhecida, respeitada e aplaudida. Eu digo mesmo que este seja o pensamento da maioria das pessoas, porém, ele por si só, não é suficiente, pois se assim o fosse a respeitabilidade cultural dos povos teriam única e exclusivamente como critério avaliativo de valores o fator econômico e nós sabemos que isso não se constitui em verdade.
O Brasil é um país com uma diversidade cultural imensa e durante sua história assimilou os costumes de diversos povos que encontraram aqui um terreno fértil para a fixação e manutenção de suas tradições contribuindo assim para a assimilação/incorporação e a construção de sua própria matriz cultural. É o caso do samba, hoje considerado patrimônio imaterial do povo brasileiro e reconhecido mundialmente como um dos gêneros musicais mais populares do planeta, e isso foi conseguido, não com a força de nossa economia, ou todas as especificidades necessárias e acima citadas para sermos um país desenvolvido, muito pelo contrário, foi através única e exclusivamente do talento de seu povo e de sua riqueza que não se revela pelo acúmulo de dólares ou outra moeda qualquer de referência, mas pela força criadora de seus artistas, a maioria deles oriundos de uma condição social totalmente inversa àquelas consideradas mínimas para o conceito de um país rico.
A galeria de artistas que fizeram a história do samba é muito grande e dentre eles destaca-se Ismael Silva responsável pela formação da primeira escola de samba, a Deixa Falar do bairro do Estácio no Rio de Janeiro e um dos personagens que deram o molho e as características essenciais para que o samba se distanciasse de suas influências vindas do maxixe e ganhasse um andamento próprio fixando um estilo moderno cujas bases permanecem até hoje.
Ismael Silva foi um dos mais importantes nomes de nosso cancioneiro popular alcançando seu auge criativo na década de trinta, tendo suas músicas gravadas pelos mais importantes astros da época como, Mario Reis e Francisco Alves, este último, seu parceiro em inúmeras canções, ao lado de Newton Bastos. Em 1955 Ismael gravaria na Sinter um LP de 10 polegadas em que interpreta seus maiores êxitos, intitulado O samba na voz do sambista, constituindo-se hoje em dia num disco histórico e fundamental da musica popular brasileira revelando seu talento como intérprete de sua própria obra numa época em que se revisitava o passado a fim encontrar-se os elementos necessários para a modernização do samba em novos conceitos estilísticos, mas sem desfazer-se da sua essência, como bem disse Vinicius de Moraes ao assinar a contra capa, "A iniciativa da Sinter de lançar na voz do sambista uma escolha como a que aqui vai, é da maior importância. Preservada na voz do compositor seus melhores sambas constituem a mais rica prova de seu mérito e de sua influência no moderno movimento de restituição da samba às suas origens cariocas".
Entre os grandes sucessos de Ismael Silva que fazem parte do repertório do disco temos, Se você jurar, gravada pela dupla Francisco Alves/Mario Reis na Odeon em 5 de março de 1931 musica que implantou definitivamente um estilo de marcação rítmica do samba urbano que vinha se desenvolvendo na década de vinte, Adeus, em parceria com Francisco Alves e Noel Rosa, foi gravada originalmente pela dupla Jonjoca e Castro Barbosa em 12 de abril de 1932 e é uma homenagem póstuma a Newton Bastos falecido prematuramente, O que será de mim, gravada por Francisco Alves/Mario Reis em 28 de fevereiro de 1931 traz em sua letra uma exaltação a malandragem que pode muito bem ser considerada como um auto retrato do autor que levava uma vida irregular vivendo em permanentes dificuldades financeiras, Novo amor, apenas de Ismael teve sua versão original gravada por Mario Reis em 27 de fevereiro de 1929, e é uma das suas mais belas criações, Nem é bom falar, é outra obra prima de Ismael registrada por Francisco Alves e Os Bambas do Estácio em 27 de novembro de 1930. O disco contem ainda Me diga teu nome lançada em 1931 e Sofrer é da vida, mais outro sucesso alcançado pela dupla Francisco Alves/Mario Reis e gravada em 28 de novembro de 1931.
Portanto, ao ouvirmos esse desfile de sucessos e clássicos da música brasileira na voz de seu autor o notável compositor Ismael Silva num disco cuja gravação em Alta Fidelidade e excelente qualidade técnica já ultrapassou meio século temos não apenas a sua preservação mais um capítulo importante da história do samba e de nossa canção popular na interpretação de um seus mais importantes personagens.
Luiz Américo Lisboa Junior, in www.luizamerico.com.br

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