O samba na voz do sambista - 1955
Como podemos definir as riquezas de um país?
Através da sua pujança econômica, de suas riquezas naturais, da qualidade de
vida da sua população, de sua renda per capita, pelo nível da educação de seus
habitantes, enfim, esses inegavelmente e alguns outros atributos fazem parte do
que podemos chamar de condições básicas para a identificação de uma nação
plenamente desenvolvida. Mas será que apesar das suas carências outros países
menos afortunados economicamente não podem também ser considerados como países ricos?
A riqueza não se traduz unicamente em acúmulos de bens materiais que
proporcionam um bem estar a sua população, apesar deste ser o critério mais
utilizado. E seus bens imateriais, sua cultura, as características essenciais
de sua gente que a fazem destacar-se no computo das nações, será que não deve
ser levado em consideração?
Alguns irão dizer que sim, mas ressalvando que
devem vir sempre acompanhadas de uma condição plena de sustentação econômica
para que possa inclusive sobreviver num cenário mundial onde o que vale não é o
exotismo ou a essência de suas raízes culturais mais a maneira como ela deve se
impor como um produto que possibilite a visibilidade necessária para que possa
ser reconhecida, respeitada e aplaudida. Eu digo mesmo que este seja o
pensamento da maioria das pessoas, porém, ele por si só, não é suficiente, pois
se assim o fosse a respeitabilidade cultural dos povos teriam única e
exclusivamente como critério avaliativo de valores o fator econômico e nós
sabemos que isso não se constitui em verdade.
O Brasil é um país com uma diversidade cultural
imensa e durante sua história assimilou os costumes de diversos povos que
encontraram aqui um terreno fértil para a fixação e manutenção de suas
tradições contribuindo assim para a assimilação/incorporação e a construção de
sua própria matriz cultural. É o caso do samba, hoje considerado patrimônio
imaterial do povo brasileiro e reconhecido mundialmente como um dos gêneros
musicais mais populares do planeta, e isso foi conseguido, não com a força de
nossa economia, ou todas as especificidades necessárias e acima citadas para
sermos um país desenvolvido, muito pelo contrário, foi através única e
exclusivamente do talento de seu povo e de sua riqueza que não se revela pelo
acúmulo de dólares ou outra moeda qualquer de referência, mas pela força
criadora de seus artistas, a maioria deles oriundos de uma condição social
totalmente inversa àquelas consideradas mínimas para o conceito de um país
rico.
A galeria de artistas que fizeram a história do
samba é muito grande e dentre eles destaca-se Ismael Silva responsável pela
formação da primeira escola de samba, a Deixa Falar do bairro do Estácio no Rio
de Janeiro e um dos personagens que deram o molho e as características
essenciais para que o samba se distanciasse de suas influências vindas do
maxixe e ganhasse um andamento próprio fixando um estilo moderno cujas bases
permanecem até hoje.
Ismael Silva foi um dos mais importantes nomes de
nosso cancioneiro popular alcançando seu auge criativo na década de trinta, tendo suas músicas gravadas pelos mais importantes astros da época como, Mario
Reis e Francisco Alves, este último, seu parceiro em inúmeras canções, ao lado
de Newton Bastos. Em 1955 Ismael gravaria na Sinter um LP de 10 polegadas em
que interpreta seus maiores êxitos, intitulado O samba na voz do sambista,
constituindo-se hoje em dia num disco histórico e fundamental da musica popular
brasileira revelando seu talento como intérprete de sua própria obra numa época
em que se revisitava o passado a fim encontrar-se os elementos necessários para
a modernização do samba em novos conceitos estilísticos, mas sem desfazer-se da
sua essência, como bem disse Vinicius de Moraes ao assinar a contra capa,
"A iniciativa da Sinter de lançar na voz do sambista uma escolha como a
que aqui vai, é da maior importância. Preservada na voz do compositor seus
melhores sambas constituem a mais rica prova de seu mérito e de sua influência
no moderno movimento de restituição da samba às suas origens cariocas".
Entre os grandes sucessos de Ismael Silva que
fazem parte do repertório do disco temos, Se você jurar, gravada pela dupla
Francisco Alves/Mario Reis na Odeon em 5 de março de 1931 musica que implantou
definitivamente um estilo de marcação rítmica do samba urbano que vinha se
desenvolvendo na década de vinte, Adeus, em parceria com Francisco Alves e Noel
Rosa, foi gravada originalmente pela dupla Jonjoca e Castro Barbosa em 12 de
abril de 1932 e é uma homenagem póstuma a Newton Bastos falecido
prematuramente, O que será de mim, gravada por Francisco Alves/Mario Reis em 28
de fevereiro de 1931 traz em sua letra uma exaltação a malandragem que pode
muito bem ser considerada como um auto retrato do autor que levava uma vida
irregular vivendo em permanentes dificuldades financeiras, Novo amor, apenas de
Ismael teve sua versão original gravada por Mario Reis em 27 de fevereiro de
1929, e é uma das suas mais belas criações, Nem é bom falar, é outra obra prima
de Ismael registrada por Francisco Alves e Os Bambas do Estácio em 27 de
novembro de 1930. O disco contem ainda Me diga teu nome lançada em 1931 e
Sofrer é da vida, mais outro sucesso alcançado pela dupla Francisco Alves/Mario
Reis e gravada em 28 de novembro de 1931.
Portanto, ao
ouvirmos esse desfile de sucessos e clássicos da música brasileira na voz de
seu autor o notável compositor Ismael Silva num disco cuja gravação em Alta
Fidelidade e excelente qualidade técnica já ultrapassou meio século temos não
apenas a sua preservação mais um capítulo importante da história do samba e de
nossa canção popular na interpretação de um seus mais importantes personagens.
Luiz
Américo Lisboa Junior,
in www.luizamerico.com.br
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