O
ciúme é uma espécie de temor, que se relaciona com o desejo de conservarmos a
posse de algum bem; e não provém tanto da força das razões que levam a julgar
que podemos perdê-lo, como da grande estima que temos por ele, a qual nos leva
a examinar até os menores motivos de suspeita e a tomá-los por razões muito
dignas de consideração.
E
como devemos empenhar-nos mais em conservar os bens que são muito grandes do
que os que são menores, em algumas ocasiões essa paixão pode ser justa e
honesta. Assim, por exemplo, um chefe de exército que defende uma praça de
grande importância tem o direito de ser zeloso dela, isto é, de suspeitar de
todos os meios pelos quais ela poderia ser assaltada de surpresa; e uma mulher
honesta não é censurada por ser zelosa de sua honra, isto é, por não apenas
abster-se de agir mal como também evitar até os menores motivos de
maledicência.
Mas
zombamos de um avarento quando ele é ciumento do seu tesouro, isto é, quando o
devora com os olhos e nunca quer afastar-se dele, com medo que ele lhe seja
furtado; pois o dinheiro não vale o trabalho de ser guardado com tanto cuidado.
E desprezamos um homem que é ciumento de sua mulher, pois isso é uma prova de
que não a ama da maneira certa e tem má opinião de si ou dela. Digo que ele não
a ama da maneira certa porque se lhe tivesse um amor verdadeiro não teria a
menor inclinação para desconfiar dela. Mas não é à mulher propriamente que ama:
é somente ao bem que ele imagina consistir em ser o único a ter a posse dela; e
não temeria perder esse bem se não julgasse que é indigno dele, ou então que a
sua mulher é infiel. De resto, essa paixão refere-se apenas às suspeitas e às
desconfianças; pois tentar evitar algum mal quando se tem motivo justo para
temê-lo não é propriamente ter ciúmes.
René Descartes, in As
Paixões da Alma
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