“Eu não sei o que é a
inspiração. Mas também a verdade é que às vezes nós usamos conceitos que nunca
paramos a examinar. Vamos lá a ver: imaginemos que eu estou a pensar
determinado tema e vou andando, no desenvolvimento do raciocínio sobre esse
tema, até chegar a uma certa conclusão. Isto pode ser descrito, posso descrever
os diversos passos desse trajeto, mas também pode acontecer que a razão, em
certos momentos, avance por saltos; ela pode, sem deixar de ser razão, avançar
tão rapidamente que eu não me aperceba disso, ou só me aperceba quando ela
tiver chegado ao ponto a que, em circunstâncias diferentes, só chegaria depois
de ter passado por todas essas fases.
Talvez,
no fundo, isso seja inspiração, porque há algo que aparece subitamente; talvez
isso possa chamar-se também intuição, qualquer coisa que não passa pelos pontos
de apoio, que saltou de uma margem do rio para a outra, sem passar pelas
pedrinhas que estão no meio e que ligam uma à outra. Que uma coisa a que nós
chamamos razão funcione desta maneira ou daquela, que funcione com mais
velocidade ou que funcione de forma mais lenta e que eu posso acompanhar o
próprio processo, não deixa de ser um processo mental a que chamamos razão.
José Saramago,
in Diálogos com José Saramago
Nenhum comentário:
Postar um comentário