Em
2007, a editora brasileira Cosac Naify lançou uma reunião com a produção do
poeta Chacal. O volume contém as obras editadas de 1971 a 2002, além do inédito
Belvedere, com uma série de novos poemas. O conjunto mostra a força e a
originalidade desse autor que está no centro da transformação da poesia
brasileira do final do século XX até os nossos dias.
Chacal,
Ricardo Carvalho Duarte, nasceu no Rio de Janeiro, em 1951. Aos vinte anos,
lançou Muito prazer, Ricardo. Em seguida, O preço da passagem e América. Os
três livros foram produções independentes, com tiragens pequenas, distribuídas
de mão em mão nos bares, portas de cinema e teatros. Em 1975, lançou a
narrativa em versos Quampérios pelo grupo Nuvem Cigana, uma produtora de
eventos e inventos que uniu escritores, artistas plásticos, músicos, atores e
pirados em geral. Em 1979, colocou na rua, novamente de forma independente, a
trilogia Olhos vermelhos, Nariz aniz e Boca Roxa. Em 1983, esses livros foram
reunidos em Drops de abril, coletânea distribuída em todo o Brasil pela grande
editora Brasiliense.
O
impacto desse resgate foi enorme na produção dos jovens poetas do início da
década de oitenta. O verso de Chacal, dialogando com as cenas rápidas, o humor,
a fala telegráfica de um dos mais inventivos modernistas brasileiros, Oswald de
Andrade, constrói um poema que deixa velho o que vinha se fazendo até então. A
fala sem cerimônia, a gíria, o rock, a contracultura, a festa, as drogas, tudo
isso que estava fora da poesia entra como sangue novo dessa nova linguagem.
O
poema não fica apenas nos livros (embora se sustente como poema escrito, com
lances visuais pelo corte do verso no espaço, pelo artesanato sonoro, pelos
neologismos, pelo prazer da palavra grafada que se revela a cada página), mas é
falado em bares, shows de rock, peças de teatro, espetáculos, integrando-se às
diversas artes. O poema e o poeta também são indissociáveis na voz de Chacal
dizendo ao vivo seus textos. Com ele e seus colegas de geração, a “rapaziada”
passou a curtir e a consumir poesia. É um poeta “na idade do rock”, como se lê
num dos seus poemas.
Entretanto,
todos esses atributos de época, mesmo sendo importantes, não dão conta da
totalidade de Chacal. Todo grande autor que traz uma novidade para seu tempo,
se sua obra perdura é porque ele tem algo que vai além e aquém da sua época. A
linguagem sempre nova de seus poemas, mesmo os escritos já há mais de trinta
anos, resistindo a virar redundância, mostra uma sabedoria criativa com as
palavras que só possuem os que conhecem os mistérios da expressão poética. Sua
visão do mundo, do ser humano, da sociedade, do poder, da sexualidade, da
linguagem confere uma verticalidade ao que é dito, encontrando e tateando,
mesmo no clima de festa do seu texto, camadas menos aparentes da existência.
Chacal está sempre na contramão. Tem um olhar enviesado sobre tudo. As verdades são postas em cheque, assim como a literatura, a postura de literato ou de autor, a poesia, as palavras, a edição, o livro, a vaidade. Sua origem de esportista, de garoto de praia traz um ar bom de respirar para o texto. Mas mesmo esse garoto rockeiro, hoje já com 58 anos, está com um pé na festa e outro num espaço próprio, crítico e, sobretudo, reflexivo. Enquanto afirma a vida, afirma a dúvida. Até porque a palavra vida está dentro da palavra dúvida. Como ele mesmo afirma num poema: “sempre deixei as barbas de molho”.
Em 1986, Chacal lançou Comício de tudo, também pela Brasiliense, livro de crônicas e poesias - textos inquietos e inventivos em prosa e/ou verso. Em 1994, vem Letra elétrica. Em 2002, A vida é curta pra ser pequena. Por fim, Belvedere, 2007. Lendo do fim ao princípio, como propõe a ordem dos poemas no livro, ou voltando a fita e ampliando o foco sobre a produção mais recente, fica uma certeza: sua palavra continua caminhando em cima da difícil lâmina da surpresa. Sutilezas sonoras, como achar a luz dentro do nome de Lúcifer e outros tantos lances estéticos que não vou enumerar para não estragar a aventura da sua descoberta, prezado leitor. Com vocês, um pouco da poesia de Chacal.
Chacal está sempre na contramão. Tem um olhar enviesado sobre tudo. As verdades são postas em cheque, assim como a literatura, a postura de literato ou de autor, a poesia, as palavras, a edição, o livro, a vaidade. Sua origem de esportista, de garoto de praia traz um ar bom de respirar para o texto. Mas mesmo esse garoto rockeiro, hoje já com 58 anos, está com um pé na festa e outro num espaço próprio, crítico e, sobretudo, reflexivo. Enquanto afirma a vida, afirma a dúvida. Até porque a palavra vida está dentro da palavra dúvida. Como ele mesmo afirma num poema: “sempre deixei as barbas de molho”.
Em 1986, Chacal lançou Comício de tudo, também pela Brasiliense, livro de crônicas e poesias - textos inquietos e inventivos em prosa e/ou verso. Em 1994, vem Letra elétrica. Em 2002, A vida é curta pra ser pequena. Por fim, Belvedere, 2007. Lendo do fim ao princípio, como propõe a ordem dos poemas no livro, ou voltando a fita e ampliando o foco sobre a produção mais recente, fica uma certeza: sua palavra continua caminhando em cima da difícil lâmina da surpresa. Sutilezas sonoras, como achar a luz dentro do nome de Lúcifer e outros tantos lances estéticos que não vou enumerar para não estragar a aventura da sua descoberta, prezado leitor. Com vocês, um pouco da poesia de Chacal.
Como era bom
o tempo em que marx explicava o mundo
tudo era luta de classes
como era simples
o tempo em que freud explicava
que édipo tudo explicava
tudo era clarinho limpinho explicadinho
tudo era muito mais asséptico
do que quando eu nasci
hoje rodado sambado pirado
descobri que é preciso
aprender a nascer todo dia.
Chacal, in Belvederecomo era simples
o tempo em que freud explicava
que édipo tudo explicava
tudo era clarinho limpinho explicadinho
tudo era muito mais asséptico
do que quando eu nasci
hoje rodado sambado pirado
descobri que é preciso
aprender a nascer todo dia.
Fonte: silvestrin.blogspot.com.br
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