Fagner
Manera Fru Fru Manera - 1973
O Brasil é um país singular onde se misturam vários povos vivendo em
harmonia, possui uma das mais miscigenadas populações do planeta, uma língua
uniforme em que pese a vastidão de seu território e uma diversidade cultural
das mais ricas. Durante toda nossa história convivemos com essas diferenças e
conseguimos manter uma invejável unidade, por outro lado, é de admirar a
maneira pela qual o país assimila a sua diversidade cultural respeitando as
suas identidades regionais.
De norte a sul, passando pelo centro oeste percebemos a imensidão de
ritmos, gêneros musicais, festas, folguedos, enfim todo um cenário que se
descortina aos nossos olhos e que nos fazem ficar admirados como podemos
assimilar tantas manifestações e incorporá-las ao nosso cotidiano. Da tradição
dos pampas gaúchos, passando pelo caipira do interior do estado de São Paulo,
pelas manifestações dos imigrantes incorporadas ao nosso calendário e
aculturadas em nosso território, a sonoridade das Minas Gerais, a cultura
pantaneira, o samba e o choro carioca, o samba de roda na Bahia, o frevo em
Pernambuco, o coco no Rio Grande do Norte e em outros estados nordestinos e
desaguando na canção amazônica com suas lendas e tradições embaladas também
pelo ritmo do carimbó, temos ai demonstrado em linhas gerais a riqueza de nossa
cultura infelizmente pouco conhecida e divulgada principalmente em nossas
escolas.
Contudo é importante salientar que alguns meios de comunicação têm
contribuído para diminuir essa desinformação proporcionando uma visibilidade
maior as nossas manifestações, é também necessário dar-se o devido credito ao
Ministério da Educação que ao realizar os Parâmetros Curriculares Nacionais
incluiu o tema diversidade cultural para que os nossos jovens estudantes possam
conhecer um pouco melhor o país em que vivem. São iniciativas meritórias, mas
que carecem ainda de um maior esforço para serem amplamente divulgadas, mesmo
porque, ainda há um grande desinteresse por parte de nossos educadores em levar
o assunto para as salas de aula num profundo descaso com a formação plural do
nosso estudante, que ao se distanciar dos elementos formadores de sua pátria
acabam perdendo um pouco o sentido de nacionalidade, união, e o que é pior,
ficam com pouca ou quase nenhuma percepção de sua identidade.
É claro que não queremos aqui generalizar, nem provocar polêmica, mas
apenas fazer um alerta e também demonstrar a necessidade do quanto é importante
nos mantermos integrados às nossas raízes num permanente esforço para que ela
seja divulgada, apreciada, e também no caso da música popular, adaptada a
modernidade, mas sem perder as suas características essenciais. Trata-se de
revigorar a cultura tradicional e não transformá-la em objeto de consumo
descartável, sem nenhuma serventia ou critério de manutenção de raiz, como se
faz com o axé, o pagode, o breganejo e outros pseudos gêneros musicais que
caminham no sentido inverso e perverso da descaracterização de uma cultura
tradicional.
Foi com o espírito preservacionista e ao mesmo tempo renovador que
surgiu no inicio dos anos setenta um grupo de cantores/compositores cearenses
que se propunham divulgar seu trabalho artístico inserindo-o dentro dos padrões
modernos de concepção musical. Essa geração liderada por Ednardo, Belchior e
Fagner iria render excelentes frutos a musica popular brasileira. Raimundo
Fagner vinha se destacando como compositor e intérprete nos meios estudantis da
época. Em 1971 sagrou-se campeão com a musica Mucuripe em parceria com Belchior
no Festival do Centro de Estudos Universitários de Brasília, logo a seguir em
1972 estrearia em disco interpretando-a num compacto simples do Disco de Bolso
da Revista Pasquim e alcançaria muito sucesso ao ser gravada na mesma ocasião
por Elis Regina. O caminho do primeiro LP estava traçado e Fagner o gravaria em
1973, dando-lhe o título de Manera fru fru manera, nome de uma canção com o
parceiro Ricardo Bezerra e que havia alcançado o sexto lugar no Festival de
Brasília.
Rompendo com o tradicionalismo nordestino, mas mantendo-lhe o espírito
Fagner incorpora neste seu primeiro disco uma linguagem modernizante onde não
faltam as guitarras, uma certa influencia iê iê iê dos anos sessenta, um
lirismo emepebista tradicional unindo a praia de Iracema com Copacabana e
revisitando o folclore regional com uma nova postura estética proporcionando um
novo rumo a musica do Nordeste distanciando-a do preconceito que a via apenas
com o tradicional forró de Jackson do Pandeiro e o Baião de Luiz Gonzaga.
Fagner emoldura numa nova concepção o tradicional e leva os ares de uma
renovação musical nordestina ao resto do país, dando o pontapé inicial para o
surgimento de outros artistas que irão trilhar o mesmo caminho, como por
exemplo, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho.
Sua voz agreste e suave causa espanto e admiração e o repertório do
disco é uma demonstração de sua visão do Nordeste e do Brasil numa tentativa de
definir um regionalismo plural, mas sem perder a essência.
O repertório é formado por algumas canções que fizeram muito sucesso
como as citadas Mucuripe e Manera fru fru manera, O ultimo pau de arara, de
Venâncio e Corumbá, Canteiros, cuja letra traz trechos do poema Marcha, de
Cecília Meireles, que por não ter sido creditado no disco mereceu por parte dos
herdeiros da escritora um processo contra Fagner que resultou em sua proibição
e execução pública obrigando a gravadora a prensar novamente o disco sem a
música, Penas do Tié, folclore adaptado por Fagner e Pé de sonhos, de Petrucio
Maia e Brandão ambas interpretadas em dueto com Nara Leão, Nasci para chorar,
versão de Erasmo Carlos para Born to cry de Dino e Dimucci, e Serenou na
madrugada, folclore também adaptado por Fagner. O disco conta ainda com a
participação de Nana Vasconcelos que viria a se tornar o mais renomado
percussionista brasileiro e um dos mais respeitados em todo o mundo.
Um disco, portanto que nos remete a renovação da
musica nordestina trazendo uma releitura conceitual da canção regional agora
universalizada com todos os elementos estéticos necessários para a compreensão
e assimilação das nossas raízes culturais retirando o Nordeste do gueto musical
em que se encontrava e levando-o amadurecido para o resto do Brasil.
Luiz
Américo Lisboa Junior,
in www.luizamerico.com.br
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