A saleta da casa lotérica estava empanzinada com
tanta gente. Era preciso perguntar mais de uma vez para descobrir onde era o
rabo da fila, que serpenteava numa aglomeração atrapalhada. Duas atendentes pra
dar conta desse povo e mais uma para os clientes preferenciais, que formavam
uma fila menor, composta por idosos, grávidas, mulheres com crianças de colo,
portadores de deficiência e, claro, alguns amigos da moça do guichê.
Na fila comum se contava, assim por cima, umas
quarenta pessoas, na outra, umas dez.
Tem de tudo numa fila: tem a senhora que difama a
falta de estrutura do lugar; tem sempre alguém lembrando a lei dos trinta
minutos como prerrogativa popular; tem o amigo da pessoa da vez, com um carnê
na mão, pedindo um favorzinho de última hora e tem aquele cara que, de quando
em quando, tenta lhe confundir sobre qual seja seu verdadeiro lugar. Nesse dia
um cidadão chegou a ganhar três posições e só não conseguiu a minha, porque na
hora virei cavalo do cão e tive a solidariedade do rapaz a minha frente. Vade retro...
O que mais chamou a atenção, porem, foi uma mocinha
de uns vinte e poucos anos que adentrou o recinto e foi direto para a fila
preferencial, atraindo para si todos os olhares desconfiados. Nada lhe
justificava a atitude. Jovem, aparência sã e um corpo de fazer inveja a
juventude de Elizabeth Savala.
Sob olhadelas e buchichos, serena e altiva, não se
descompôs e cinco minutos mais tarde estava na boca da cabina. Virou-se para a
porta e acenou para outra mocinha que lhe entregou uma criança de uns quatro
anos mais ou menos. Ela escanchou a menina no quadril e, com a ajuda da amiga
retirou de um saco um punhado de papéis de água, luz e outras contas
indistintas. Pagou, pôs a garotinha no chão e saiu olhando de canto para os
bestas que estavam naquela formação pandemônica há mais de uma hora.
Vendo toda a facilidade e rapidez no atendimento
àquela jovem que usou o jeitinho para obter uma espécie de permissão especial
da lei, não contive o entusiasmo e gritei: Moça, me empreste a menina!
Zenóbio
Oliveira, escritor e radialista mossoroense
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