“Muitas
coisas se dizem, que não deviam ser ditas; muitas coisas se calam, que não
mereciam calar-se. As palavras são as mesmas, em um e outro caso; só a
conveniência delas, na circunstância, é que varia. E na variação, fica o dito
por não dito. A menos que o convicto (ou o teimoso) diga: ‘Digo e repito’.
Também
cabe referir aquelas coisas manifestadas com ressalvas: ‘Diga-se de passagem’.
Em geral, são as que não passam, as mais relevantes no discurso, e a matéria
que parecia principal descolore em função do que parecia acessório.
Dizer,
bendizer, maldizer, confundem-se na massa de sons. Tudo escapando da mesma
boca, mas vozes diferentes atropelam-se nesse anunciar-se de juízos, interesses,
paixões e estados de espírito que se desmentem uns aos outros. Contradizer-se é
ainda uma solução para o conflito que nossos impulsos sucessivos travam por
meio e à custa de palavras.
É
tão incoerente essa trama verbal a desenvolver-se no tempo, que se procura dar-lhe
nexo, apelando para fórmulas: ‘Como eu dizendo...’ ‘O que é mesmo que eu estava
dizendo?’ O dizer de um precisa ser acionado pelo dizer do outro, e do acoplamento
(linguagem espacial em curso) dos dizeres surge novo dizer, que é o anterior e
é outro. De modo que ninguém diz propriamente o que diz, mas só o que lhe
ocorre (se ocorre) dizer, ou lhe é soprado na ocasião. (...)
Entre
o dizível e o indizível balança a criação do poeta, flutua o êxtase dos
namorados. Dizer o que jamais soube ser dito, aspiração de manipulador de
vocábulos, que talvez nem saiba dizer o sabido. Haverá algo a dizer,
absolutamente inefável, que nem os anjos conseguissem exprimir nem os homens
entender?”
Carlos Drummond de Andrade, in Os
dias lindos – Crônicas
Nenhum comentário:
Postar um comentário