Ao entardecer do dia
20 de dezembro de 1928, dentro de uma casa de taipa, porta e janela na Rua São
Luiz no Farol, um choro avisava ao mundo, nasceu Odete dos Martírios, a negra
mais bonita e charmosa que perambulou por Maceió no século XX. De mãe pobre e
pai fujão, foi criada pela avó no bairro da Levada. Cresceu uma menina
alegre, cativante. Tinha o carinho da avó, e as ruas, as praças, a lagoa Mundaú
para brincar, pescar e catar sururu. Criou-se livre, sem estudar, correndo e
percorrendo toda biboca da cidade.
Tornou-se uma morena bonita, rosto oval, cabelos negros, olhos
penetrantes. Corpo roliço, bem moldado, cheio de curvas acentuadas, cintura
fina, pele aveludada como jamais alguém teve, segundo Bráulio. Odete despertava
desejo nos homens no doce balanço de seu caminhar, era a Nêga Fulô que o poeta
Jorge de Lima não conheceu.
Não havia completado 15 anos, quando Floro, um belo rapaz, acadêmico de
direito, morador da Rua Pedro Monteiro, filho de um rico comerciante, ficou
encantado com a negra bonita cheia de sensualidade. Cantou Odete por mais de um
mês, prometendo amor, carinho e agrado. Até que numa noite de lua cheia, seus
corpos se uniram embaixo de uma jaqueira no morro do Tom Mix pelas bandas da
praia do Sobral. Floro deflorou Odete. A negra gritava como uma selvagem, havia
doído, havia gostado. Em casa, sua avó notou o sangue, esbravejou, já não era
mais moça, tinha perdido a honra, não queria sua neta quenga! Reclamou da vida
de pobre.
Durante a noite Odete chorou lembrando momentos de carinho, sentiu a
sensação de seu corpo penetrado. Pela manhã tomou uma decisão, trabalhar, ser
independente. Como uma analfabeta podia arranjar emprego?
Soube de uma família que estava precisando de empregada doméstica. Odete
bateu na casa na Praça Sinimbu. Foi atendida, a senhora gostou da moça negra,
simpática, carne firme, disposta no trabalho. Ensinou-lhe a cozinhar. A menina
aprendeu rápido, tornou-se excelente cozinheira. Odete fez parte dessa família
por muitos anos.
Sentia-se independente com o pequeno salário. Tinha um quarto na casa,
comida, era livre, sozinha, podia fazer o que bem quisesse. Ao anoitecer,
depois do dia de trabalho, disposta, cheirosa, dentro de um vestido de chita,
se pintava para sair em busca de diversão nas noites da cidade. Entregava-se ao
que mais gostava e sabia fazer, amor. Os homens se encantavam, prometiam. Nunca
recebeu dinheiro de alguém, selecionava seus parceiros. Gostava de homem novo e
bonito. Estudantes ficavam à espreita desde as sete da noite na Praça Sinimbu,
desejando Odete. Ela não tinha parceiro certo, escolhia o privilegiado para
deitar na morna areia da praia da Avenida ou no gramado do sítio da Sinhá perto
do Riacho Salgadinho.
Por ser livre e independente Odete foi confundida como prostituta.
Entretanto, jamais aceitou um centavo de algum homem. Viveu solteira pelo resto
da vida, saía com quem queria, escolhia seu parceiro, generosa, desvirginou
metade de minha geração. Choram muitos sessentões.
Morava em um quartinho perto da Praça da Faculdade, sozinha, como sempre
viveu. Morreu essa semana com poucos amigos ao redor. Essa é a história
verdadeira de uma lenda urbana, uma mulher forte, cheia de alegria que amou o
mundo do jeito que o enxergava, grande Nêga Odete, heroína do povo, mulher
valente, mito e fantasia de muitos homens nos anos 50/60 na cidade de Nossa
Senhora dos Prazeres, a bela Maceió.
Carlito Lima, na coluna Epístolas do Cardeal, do Jornal Besta
Fubana
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