terça-feira, 6 de março de 2012

Nêga Odete morreu, choram os viúvos saudosistas

Ao entardecer do dia 20 de dezembro de 1928, dentro de uma casa de taipa, porta e janela na Rua São Luiz no Farol, um choro avisava ao mundo, nasceu Odete dos Martírios, a negra mais bonita e charmosa que perambulou por Maceió no século XX. De mãe pobre e pai fujão, foi criada pela avó no bairro da Levada.  Cresceu uma menina alegre, cativante. Tinha o carinho da avó, e as ruas, as praças, a lagoa Mundaú para brincar, pescar e catar sururu. Criou-se livre, sem estudar, correndo e percorrendo toda biboca da cidade.
Tornou-se uma morena bonita, rosto oval, cabelos negros, olhos penetrantes. Corpo roliço, bem moldado, cheio de curvas acentuadas, cintura fina, pele aveludada como jamais alguém teve, segundo Bráulio. Odete despertava desejo nos homens no doce balanço de seu caminhar, era a Nêga Fulô que o poeta Jorge de Lima não conheceu.
Não havia completado 15 anos, quando Floro, um belo rapaz, acadêmico de direito, morador da Rua Pedro Monteiro, filho de um rico comerciante, ficou encantado com a negra bonita cheia de sensualidade. Cantou Odete por mais de um mês, prometendo amor, carinho e agrado. Até que numa noite de lua cheia, seus corpos se uniram embaixo de uma jaqueira no morro do Tom Mix pelas bandas da praia do Sobral. Floro deflorou Odete. A negra gritava como uma selvagem, havia doído, havia gostado. Em casa, sua avó notou o sangue, esbravejou, já não era mais moça, tinha perdido a honra, não queria sua neta quenga! Reclamou da vida de pobre.
Durante a noite Odete chorou lembrando momentos de carinho, sentiu a sensação de seu corpo penetrado. Pela manhã tomou uma decisão, trabalhar, ser independente. Como uma analfabeta podia arranjar emprego?
Soube de uma família que estava precisando de empregada doméstica. Odete bateu na casa na Praça Sinimbu. Foi atendida, a senhora gostou da moça negra, simpática, carne firme, disposta no trabalho. Ensinou-lhe a cozinhar. A menina aprendeu rápido, tornou-se excelente cozinheira. Odete fez parte dessa família por muitos anos.
Sentia-se independente com o pequeno salário. Tinha um quarto na casa, comida, era livre, sozinha, podia fazer o que bem quisesse. Ao anoitecer, depois do dia de trabalho, disposta, cheirosa, dentro de um vestido de chita, se pintava para sair em busca de diversão nas noites da cidade. Entregava-se ao que mais gostava e sabia fazer, amor. Os homens se encantavam, prometiam. Nunca recebeu dinheiro de alguém, selecionava seus parceiros. Gostava de homem novo e bonito. Estudantes ficavam à espreita desde as sete da noite na Praça Sinimbu, desejando Odete. Ela não tinha parceiro certo, escolhia o privilegiado para deitar na morna areia da praia da Avenida ou no gramado do sítio da Sinhá perto do Riacho Salgadinho.
Por ser livre e independente Odete foi confundida como prostituta. Entretanto, jamais aceitou um centavo de algum homem. Viveu solteira pelo resto da vida, saía com quem queria, escolhia seu parceiro, generosa, desvirginou metade de minha geração. Choram muitos sessentões.
Morava em um quartinho perto da Praça da Faculdade, sozinha, como sempre viveu. Morreu essa semana com poucos amigos ao redor. Essa é a história verdadeira de uma lenda urbana, uma mulher forte, cheia de alegria que amou o mundo do jeito que o enxergava, grande Nêga Odete, heroína do povo, mulher valente, mito e fantasia de muitos homens nos anos 50/60 na cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, a bela Maceió.
Carlito Lima, na coluna Epístolas do Cardeal, do Jornal Besta Fubana

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