quinta-feira, 15 de março de 2012

Foi assim

Cândido Portinari, Menino de Brodowski, 1946 

Foi assim: de manhãzinha eu passeava dentro do pomar de D. Mariquinha. Peguei um maracujá, uma romã, ia pegando uns araçás quando senti aquela água na cara, jogada por D. Mariquinha. Xinguei assim: ô velha fedida, avarenta. Ia enxugar a cara. Um vento bateu. Fiquei parado no vento. Olhei tudo querendo ser sempre menino, querendo sempre ter um maracujá, uma romã, a vontade de alguns araçás, e água na cara e vento. Grande que eu era de pé, e alguma coisa me estufou o peito, alguma coisa me encheu a boca e eu gritei. OOOOOOOOIAAAAAAAAI e outra vez bem comprido OOOOOOOOOOOOOOOOOIAAAAAAAAAAAAAAAAAI. E a mãe veio correndo, os irmãos também, a velha muito assustada, os cachorros também, as galinhas pretas pequenininhas, a mula veio que veio depressa e todos me rodearam e a mãe falou sem respirar: oquefoimeninooquefoi? E aí eu disse sem querer dizer: mãe, o mundo me dói, me dói pra valer.
Hilda Hilst, in Fluxo-floema (no Imaginário Poético) 

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