A
primeira vez que o Brasil ouviu Zé
Ramalho da Paraíba foi na voz de Vanusa, que gravou a canção Avohay em seu disco "Vanusa - 30
Anos", em 1977, pela Som Livre. Um ano após, já sem o 'Paraíba", Zé
Ramalho ganhou as paradas nacionais com sua enigmática e encantadora mistura
sonora. Antes disso, no entanto, tão fantástica quanto suas letras, a história
de Zé Ramalho registra a gravação de um disco que ficou perdido nos escaninhos
do tempo.
Trata-se
do raríssimo álbum duplo "Paêbirú",
creditado a Lula Cortês e Zé Ramalho, gravado entre os meses de outubro e
dezembro de 1974, na gravadora Rozemblit, em Recife (PE). Com eles, estão Paulo
Rafael, Robertinho de Recife, Geraldo Azevedo e Alceu Valença, entre outros. Na
época, Lula Cortês tinha em seu currículo o álbum "Satwa" (1973), que
trazia canções com título como "Alegro Piradíssimo", "Blues do
Cachorro Louco" e "Valsa dos Cogumelos". Zé Ramalho, já tocando
com Alceu Valença, tinha em sua bagagem a experiência de grupos de Jovem Guarda
e beatlemania, como Os Quatro Loucos, o mais importante de todo o Nordeste.
Clássico
do pós-tropicalismo, com (over) doses de psicodelia, o álbum trazia seus quatro
lados dedicados aos elementos "água, terra, fogo e ar". Nesse clima,
rolam canções como o medley "Trilha de Sumé/Culto à Terra/Bailado das
Muscarias", com seus13 minutos de violas, flautas, baixão pesado,
guitarras, rabecas, pianos, sopros, chocalhos e vocais "árabes", ou a
curta e ultra-psicodélica "Raga dos Raios", com uma fuzz-guitar
ensandecida. E, destaque do álbum, a obra-prima "Nas Paredes da Pedra
Encantada, Os segredos Talhados Por Sumé" (regravada por Jorge Cabeleira,
com participação de Zé Ramalho), com seu baixo sacado de Goin' Home dos Rolling
Stones sustentando os mais pirados 7 minutos do que se pode chamar de
psicodelia brasileira.
O
disco por si só é uma lenda, mas ficou mais interessante ainda pelas situações
que envolveram a sua gravação. A gravadora Rozenblit ficava na beira do rio
Capiberibe, e o disco, depois de gravado, foi levado por uma das enchentes que
assolavam a região. Conta a lenda que sobraram apenas umas trezentas cópias do
disco, hoje nas mãos de poucos e felizardos colecionadores, muitas das quais no
exterior, onde foram parar a preço de ouro. Contando com a co-produção do grupo
multimídia Abrakadabra, o disco trazia um rico encarte, que também sucumbiu ao
aguaceiro.
Hoje
"top 10" das paradas de CDr no país e item valioso no mercado
internacional de raridades psicodélicas, o álbum segue misteriosamente inédito
no mundo digital. Com isso, a indústria discográfica brasileira perde uma boa
oportunidade de provar que se preocupa um pouco mais do que com o tilintar da
caixa-registradora. "Paêbirú", que quer dizer "o caminho do
sol" (para os incas), poderia ser o primeiro de uma série de raridades a
ganhar a luz do dia, para ocupar uma fatia de mercado que, se pequena
comercialmente, é fundamental para a preservação da cultura musical brasileira.
Texto de Fernando Rosa, originalmente publicado na revista Showbizz.
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