No
início dos anos oitenta eu trabalhava em um antigo prédio comercial na Rua
Guilherme Rocha, próximo a Praça do boticário Ferreira, bem no Centro de
Fortaleza.
Embora
meu horário de entrada fosse às oito horas, eu chegava lá pontualmente às sete,
pois assim dava tempo de tomar um café no Azteca, ponto de encontro obrigatório
de jornalistas, publicitários, políticos e madrugadores daqueles tempos.
Na
entrada do prédio, sentado junto ao batente, quase que invisível aos transeuntes,
trabalhava um distinto senhor, já grisalho, sereno, em uma pequena banca de
madeira. Ele vendia cigarros, isqueiros, caixa de fósforos, canetas, ficha de
telefone público, guarda-chuvas, baterias para relógios, envelopes e uma
variedade enorme de outras coisas.
Esse
distinto senhor passaria despercebido não fosse a sua extrema gentileza para
com todos os que passavam na calçada e que entravam e saíam do prédio, num
vai-e-vem ininterrupto, dia após dia, chovesse ou fizesse sol.
Tratava
a todos invariavelmente por “Bom dia, senhores! – Tenham um ótimo dia! – Olá,
como vai? Como tem passado? – Boa tarde, senhora, senhorita! – Que belo terno,
senhor! Alguma reunião importante? Desejo-lhe sucesso! Olá, jovem! Que chuva,
não? Boa noite! Tenha uma ótima noite, senhor! Até amanhã, se Deus quiser! Bom
final de semana! Bom descanso, senhora! Até segunda, se Deus permitir!”
Era
assim o dia todo, o ano todo. Ouvia-se a sua voz firme cumprimentando
incansavelmente a todos e desejando melhoras, sucesso e feliz isso, feliz
aquilo, bom dia, boa tarde, boa noite.
Durante
todo o tempo em que eu trabalhei naquele prédio, não houve sequer um dia em que
eu não o cumprimentasse na entrada do prédio. Não recordo quantas canetas,
envelopes e fichas de telefone comprei dele, sempre acompanhado de um
“obrigado”, “volte sempre”, “Que Deus o abençoe!”.
Nunca
soube o nome dele ou de onde viera. Ninguém nunca soube. Apesar da eloquencia
diária de seus cumprimentos, era pessoa de poucas palavras e não conversava
sobre nada com quem quer que fosse. A única pessoa que ele ainda trocava
algumas poucas palavras era uma senhora, também já idosa, que pontualmente às
onze horas levava-lhe a marmita com o almoço, coberta por um pano de prato e
uma garrafa de água. “Os melhores homens são os de poucas palavras”.
Em
1987 fui trabalhar em outro local e deixei de frequentar aquele prédio por um
período de um ano. Os anos passam, as coisas mudam, as fotos desvanecem. Todo
dia chega.
No
Natal de 1987, a cidade vestida de enfeites, a alegria no ar saltava aos olhos,
os sinos anunciavam. Precisei ir até o Centro da Cidade e passei no Azteca para
tomar um café com palavras, quando me lembrei também de cumprimentar o distinto
e gentil senhor.
Que
decepção não encontrá-lo mais lá! No local onde ele ficava tinham colocado um
enorme jarro com uma palmeira. Saí em busca de informações sobre ele. Perguntei
ao porteiro, ao ascensorista, ao zelador, se o tinham visto, se sabiam dele. Vi
com espanto que vagamente se lembravam de que ali tinha um homem distinto que
por anos a fio cumprimentava a todos. Mal lembravam! Consegui depois de muito
esforço, a informação de que simplesmente ele tinha sumido. Deixou de ir
trabalhar, sem mais nem menos! Nunca mais apareceu! Soube ainda, para meu
espanto, que a mulher que lhe levava o almoço pontualmente às onze, também o
procurou por vários dias. Disseram-me ainda, que dois rapazes também o
procuraram, por vários dias, aflitos. Nunca mais o viram.
Sentei-me
em um banco na Praça do Ferreira. O céu estava imensamente azul e o azul
enchia a tarde toda. Aquele gentil senhor, com certeza, havia sido abduzido por
um anjo.
Newton
Silva, in Besta Fubana
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