quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O menino que comia pastel

A padaria burburinhava. O balconista tentava a todo custo ordenar os pedidos da clientela afobada. Do lado de fora, um garoto andrajoso, comia um pastel, sentado no batente abrasado da porta, totalmente apartado daquela situação aborrecida. A absorção do olhar espichado no acepipe denunciava a esfomeação de um jejum prolongado. Fome é bicho desgraçado. Deixa o sujeito ensimesmado diante do alimento que devora. O menino tentava, simplesmente, matar quem lhe matava. Certo que aquele bocado não representava uma refeição adequada para o sustento de um dia inteiro, mas era sua tábua de salvação no momento, o que já justificava o ato de voracidade.
Diante da cena, pus-me a imaginar os desperdícios das comilanças nos salões abastados. O filme da lembrança se misturava à realidade presencial dos meus olhos, numa exposição patética da desigualdade humana. Repugnei de pronto todo àquele discurso hipócrita que alardeia a cidadania. Perante situações desse tipo, nota-se que essa história de que a criança é o futuro não passa de jargão elitista de um país sem futuro.
Toda essa conversa de garantias estatutárias dos direitos infantis serve tão somente para preencher os espaços das estantes palacianas.  As crianças famintas, drogadas e prostituídas que enchem nossas ruas, são a verdade cruel de um hoje que pode não avistar o amanhã.
O menino acabou o petisco e a expressão do rosto pedinchão denotava seu estado de insaciabilidade. Ofereci-lhe então mais alguns pastéis. Ele enfiou-os pelos bolsos, manchando de óleo a bermuda já surrada. Perguntei se não iria comê-los. Disse que mais tarde, quando se juntasse às suas duas irmãs. Caminhou pela calçada, parou mais adiante, virou-se, agradeceu e seguiu rua acima até sumir na curteza da minha visão.

Zenóbio Oliveira, poeta, escritor e radialista mossoroense

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