sábado, 2 de abril de 2011

Onde Alguém Vê Pobreza, Vejo Riqueza




Ecos do Ão
Na arte de versejar, chama-se rima pobre a igualdade, ou semelhança de sons, no final dos versos, como as rimas: amor/clamor; paixão/ilusão; cantar/sambar.
O cantor e compositor Pernambuco Lenine foi abusado em sua já reconhecida criatividade: o que era para ser algo pobre, sem elã (nada mais banal do que a rima com final ão), ele incrementa o seu discurso denunciativo da realidade brasileira com imagens fortes, embasado na batida e no ritmo nordestino. Vale a pena conferir o vídeo. Segue a letra.


Rebenta na febem rebelião
Um vem com um refém e um facão
             A mãe aflita grita logo: não!
             E gruda as mãos na grade do portão
             Aqui no caos total do cu do mundo cão
             Tal a pobreza, tal a podridão
             Que assim nosso destino na direção
             São um enigma, uma interrogação
             E se nos cabe apenas decepção
             Colapso, lapso, rapto, corrupção?
             E mais desgraça, mais degradação?
             Concentração, má distribuição?
             Então a nossa contribuição
             Não é senão canção, consolação?
             Não haverá então mais solução?
             Não, não, não, não, não...
             Pra transcender a densa dimensão
             Da mágoa imensa e tão somente então
             Passar além da dor, da condição
             De inferno e céu, nossa contradição
             Nós temos que fazer com precisão
             Entre projeto e sonho a distinção
             Para sonhar enfim sem ilusão
             O sonho luminoso da razão
             E se nos cabe só humilhação
             Impossibilidade de ascensão
             Um sentimento de desilusão
             E fantasias de compensação?
             E é só ruína tudo em construção?
             E a vasta selva só devastação?
             Não haverá então mais salvação?
             Não, não, não, não, não...
             Porque não somos só intuição
             Nem só pé de chinelo, pé no chão
             Nós temos violência e perversão
             Mas temos o talento e a invenção
             Desejos de beleza em profusão
             E idéias na cabeça coração
             A singeleza e a sofisticação
             O choro, a bossa, o samba e o violão
             Mas se nós temos planos, e eles são
             O fim da fome e da difamação
             Por que não pô-los logo em ação?
             Tal seja agora a inauguração
             Da nova nossa civilização
             Tão singular igual ao nosso ao
             E sejam belos, livres, luminosos
             Os nosso sonhos de nação.

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