quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Vardaman

Quando eu fui descobrir onde é que eles pousam à noite, vi uma coisa
Eles disseram: "Onde está Darl? Para onde foi Darl?"
Eles transportaram-na para debaixo da madeira. O celeiro ainda estava vermelho, mas agora não era mais um celeiro. Tinha afundado e o vermelho subia em torvelinhos. O celeiro desapareceu, em turbilhões de pedacinhos vermelhos, contra o céu e as estrelas, de tal modo que as es trelas recuaram.
E Cash ainda estava acordado. Virava a cabeça de um para outro lado, com o suor na cara.
"Quer mais um pouco de água na perna, Cash?", perguntou Dewey Dell. .. A perna e o pé de Cash ficaram pretos. Apanhamos a candeia e olhamos o pé e a perna de Cash nos lugares onde estavam negros.
"Seu pé parece o pé de um negro, Cash", eu disse.
"Creio que teremos de quebrar", disse Pai.
- "Por que diabos puseram isto aí?", disse Mr. Gillespie.
"Pensei, que ajudaria a firmar a perna", disse Pai. "Eu só queria ajudá-lo."
Trouxeram o escopro e o martelo. Dewey Dell segurava a candeia. Tinham de bater com muita força. E Cash logo caiu no sono.
"Agora ele está dormindo", eu disse. "Enquanto estiver dormindo, não sente dor."
O cimento apenas estalava. Não queria partir-se.
"Assim, acabam arrancando-lhe também a pele", disse Mr. Gillespie. "Com os diabos, por que puseram isto aí? Nenhum de vocês pensou primeiro em untar-lhe a perna?"
"Eu só queria ajudá-lo", disse Pai. "Foi Darl quem pôs o cimento."
"Onde está Darl?", perguntaram.
"Será que nenhum de vocês tem mais um pouco de juízo?", disse Mr. Gillespie. "Pensei que ele, pelo menos, tivesse algum:"
Jewel estava deitado de barriga para baixo. Suas costas estavam vermelhas. Dewey Dell pôs remédio nelas. O remédio era feito de manteiga e fuligem, para tirar o fogo. Então suas costas ficaram pretas.
"Dói muito, Jewel?", perguntei. "Suas costas parecem as de um negro, Jewel", eu disse. O pé e a perna de Cash parecem os de um negro.
Afinal, quebraram o cimento. A perna de Cash sangrou.
"Agora vá dormir", disse Dewey Dell. "Você já devia estar dormindo."
"Onde está Darl?", perguntaram.
Está lá fora, embaixo da macieira, junto dela, deitado sobre ela. Está ali para evitar que o gato volte.
Eu disse: "Você pretende espantar o gato, Darl?"
O luar cobria Darl de manchas. Em cima dela, o luar estava quieto, mas em cima de Darl ele dançava para cima e para baixo.
"Não precisa chorar", eu disse. "Jewel conseguiu tirá-la. Não precisa chorar, Darl."
O celeiro ainda está vermelho. Antes, estava ainda mais. Depois ele subiu em turbilhões, fazendo as estrelas recuarem, mas sem caírem. Isto fez meu coração doer, como o trem.
Quando eu fui descobrir onde eles pousam à noite, vi uma coisa que Dewey Dell diz que não devo contar nunca a ninguém.

William Faulkner, em Enquanto Agonizo

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