O mostrador dos batimentos cardíacos
é o de cima, em azul. Controlo suas variações mesmo sabendo que
nada posso fazer. Geralmente não passa dos 75 batimentos por minuto,
nada alarmante, mas um pouco alto para um senhor de 88 anos em
repouso. Os médicos não ligam, dizem ser natural, o coração é
forçado a uma atividade maior por causa da precariedade do
funcionamento dos pulmões, o da esquerda comprometido, o da direita
aguentando, com a ajuda do oxigênio artificial, o trabalho dos dois.
Mas apenas sem nenhum esforço. Ele jamais poderia andar, ou teria
outro AVC, o terceiro. O que me traz a questão elementar, um
paradoxo: em coma ele vive, se acordasse e tentasse se mexer para se
acomodar melhor na cama, morreria em segundos.
Com meu marido foi assim. Morte quase
instantânea, jogando tênis com o Marquinhos, meu filho mais moço.
Ataque cardíaco fulminante. Foi o tempo de dobrar os joelhos, apoiar
a mão esquerda no chão, a direita espalmada no coração, e escorar
a queda. Nunca mais se levantou. Reconstruo a cena que a boca chorosa
de meu filho contou para mim, para os médicos e, por telefone, bem
mais tarde, para Nicolas, seu irmão mais velho, que estava
trabalhando, plantão, quando isso aconteceu. Fazia o primeiro ano de
residência médica no hospital mais badalado da cidade. Queria ser
cirurgião cardíaco, terminou como oftalmologista, especialização
em São Paulo. Nunca mais voltou a morar no Rio.
Quando o Afonso foi enterrado, a
família acabou junto com ele. Um breve suspiro de cinco anos,
enquanto o Marquinhos ainda estava no colégio, mas, depois que ele
foi para Israel, nos limitamos a mim e a papai, com Nicolas em alguns
fins de semana, depois eu, papai, Nicolas e sua esposa, depois eu,
papai, Nicolas e sua esposa e Patrick, meu neto, mas aí então só
nos feriados e, mesmo assim, nem todos, apenas os religiosos do nosso
lado: Yom Kipur, Pessach e Roshashana. No meu aniversário eles não
vinham. Mônica nasceu no mesmo dia que eu, 2 de outubro. Com o
tempo, restou apenas o Natal, festa dos outros, na casa de outra
família, em São Paulo. E mesmo assim parei de ir depois que papai
passou a morar comigo.
Flávio Izhaki, em Amanhã não tem ninguém

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