Agora essa. Descobriram que ovo,
afinal, não faz mal. Durante anos, nos aterrorizaram. Ovos eram
bombas de colesterol. Não eram apenas desaconselháveis, eram
mortais. Você podia calcular em dias o tempo de vida perdido cada
vez que comia uma gema.
Cardíacos deviam desviar o olhar se
um ovo fosse servido num prato vizinho: ver ovo fazia mal. E agora
estão dizendo que foi tudo um engano, o ovo é inofensivo. O ovo é
incapaz de matar uma mosca. A próxima notícia será que bacon
limpa as artérias.
Sei não, mas me devem algum tipo de
indenização. Não se renuncia a pouca coisa quando se renuncia ao
ovo frito. Dizem que a única coisa melhor do que ovo frito é sexo.
A comparação é difícil. Não existe nada no sexo comparável a
uma gema deixada intacta em cima do arroz depois que a clara foi
comida, esperando o momento de prazer supremo quando o garfo romperá
a fina membrana que a separa do êxtase e ela se desmanchará, sim,
se desmanchará, e o líquido quente e viscoso correrá e se
espalhará pelo arroz como as gazelas douradas entre os lírios de
Gileade nos cantares de Salomão, sim, e você levará o arroz à
boca e o saboreará até o último grão molhado, sim, e depois ainda
limpará o prato com pão. Ou existe e eu é que tenho andado na
turma errada. O fato é que quero ser ressarcido de todos os ovos
fritos que não comi nestes anos de medo inútil. E os ovos mexidos,
e os ovos quentes, e as omeletes babadas, e os toucinhos do céu, e,
meu Deus, os fios de ovos. Os fios de ovos que não comi para não
morrer dariam várias voltas no globo. Quem os trará de volta? E
pensar que cheguei a experimentar ovo artificial, uma pálida paródia
de ovo que, esta sim, deve ter me roubado algumas horas de vida a
cada garfada infeliz.
Ovo frito na manteiga! O rendado
marrom das bordas tostadas da clara, o amarelo provençal da gema...
Eu sei, eu sei. Manteiga ainda não foi liberada. Mas é só uma
questão de tempo.
Luís Fernando Veríssimo, em A mesa voadora

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