A oitava maravilha do mundo
Incessantes caravanas de lhamas e
mulas levam ao porto de Arica a prata que, por todas as suas bocas,
sangra o morro de Potosí. Ao cabo de longa navegação, os lingotes
se despejam na Europa para financiar, lá, a guerra, a paz e o
progresso.
Em troca chegam a Potosí, de Sevilha
ou de contrabando, vinhos da Espanha e chapéus e sedas da França,
bordados, espelhos e tapeçaria de Flandres, espadas alemãs e
papelaria genovesa, meias de Nápoles, cristais de Veneza, ceras de
Chipre, diamantes do Ceilão, marfins da Índia e perfumes da Arábia,
Málaca e Goa, tapetes da Pérsia e porcelanas da China, escravos
negros de Cabo Verde e Angola e cavalos chilenos de muito brio.
Tudo é caríssimo nesta cidade, a
mais cara do mundo. Só são baratas a chicha e as folhas de coca. Os
índios, arrancados à força das comunidades de todo o Peru, passam
o domingo nos currais, dançando ao redor de tambores e bebendo
chicha até rodar pelo chão. Ao amanhecer da segunda-feira são
arrastados morro adentro e mascando coca perseguem, a golpes de
picareta, as veias de prata, serpentes alviverdes que aparecem e
fogem pelas tripas deste ventre imenso, nenhuma luz, ar nenhum. Ali
trabalham os índios a semana inteira, prisioneiros, respirando pó
que mata os pulmões e mascando coca que engana a fome e disfarça a
extenuação, sem saber quando anoitece nem quando amanhece, até que
no fim do sábado soa o toque de oração e saída. Avançam então,
abrindo caminho com velas acesas, e emergem o domingo ao amanhecer,
que são assim fundas as covas e os infinitos túneis e galerias.
Um padre, recém-chegado a Potosí, os
vê aparecer nos subúrbios da cidade, longa procissão de fantasmas
esquálidos, as costas marcadas pelo chicote, e comenta:
– Não quero ver este retrato do
inferno.
– Pois feche os olhos, padre –
aconselham.
– Não posso – diz o sacerdote. –
Com os olhos fechados, vejo mais.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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