sábado, 20 de dezembro de 2025

1600 – Potosí

A oitava maravilha do mundo

Incessantes caravanas de lhamas e mulas levam ao porto de Arica a prata que, por todas as suas bocas, sangra o morro de Potosí. Ao cabo de longa navegação, os lingotes se despejam na Europa para financiar, lá, a guerra, a paz e o progresso.
Em troca chegam a Potosí, de Sevilha ou de contrabando, vinhos da Espanha e chapéus e sedas da França, bordados, espelhos e tapeçaria de Flandres, espadas alemãs e papelaria genovesa, meias de Nápoles, cristais de Veneza, ceras de Chipre, diamantes do Ceilão, marfins da Índia e perfumes da Arábia, Málaca e Goa, tapetes da Pérsia e porcelanas da China, escravos negros de Cabo Verde e Angola e cavalos chilenos de muito brio.
Tudo é caríssimo nesta cidade, a mais cara do mundo. Só são baratas a chicha e as folhas de coca. Os índios, arrancados à força das comunidades de todo o Peru, passam o domingo nos currais, dançando ao redor de tambores e bebendo chicha até rodar pelo chão. Ao amanhecer da segunda-feira são arrastados morro adentro e mascando coca perseguem, a golpes de picareta, as veias de prata, serpentes alviverdes que aparecem e fogem pelas tripas deste ventre imenso, nenhuma luz, ar nenhum. Ali trabalham os índios a semana inteira, prisioneiros, respirando pó que mata os pulmões e mascando coca que engana a fome e disfarça a extenuação, sem saber quando anoitece nem quando amanhece, até que no fim do sábado soa o toque de oração e saída. Avançam então, abrindo caminho com velas acesas, e emergem o domingo ao amanhecer, que são assim fundas as covas e os infinitos túneis e galerias.
Um padre, recém-chegado a Potosí, os vê aparecer nos subúrbios da cidade, longa procissão de fantasmas esquálidos, as costas marcadas pelo chicote, e comenta:
Não quero ver este retrato do inferno.
Pois feche os olhos, padre – aconselham.
Não posso – diz o sacerdote. – Com os olhos fechados, vejo mais.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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