Seu juiz, esses meninos têm mexido
com os meus filhos há um tempão! Eu tive que fazer alguma coisa.
— MAE ALICE DAVIS
O número 128 continuou a se
deteriorar. As pessoas seguiam se mudando para aquele lugar. Apenas
nos nossos últimos meses fomos os únicos naquela armadilha mortal.
Mas, naquela época, os Thompson haviam chegado.
Sabe, quando você é muito pobre,
vive em uma realidade alternativa. Não é que tenhamos problemas
diferentes do resto das pessoas, mas não temos os recursos para
disfarçá-los. Fomos despojados de protocolos sociais. Há um
consenso de que todo mundo está tentando sobreviver, e quem é que
vai tentar impedir isso? Os Thompson eram um perfeito exemplo.
Eles eram uma família de oito filhos,
a maioria meninas. As mães ou tutoras eram duas mulheres que
chamávamos de sapos. Por quê? Elas usavam óculos que faziam os
olhos saltarem para fora e ambas tinham prognatismo. Elas tinham os
dentes inferiores enormes, passando do lábio inferior. Também eram
muito malvadas. Sempre gritavam com as crianças e as espancavam.
Como sempre, ninguém se importava. Meu pai batia na gente e
espancava minha mãe, então era a mesma coisa para nós. Mas as
crianças, mais ou menos da nossa idade ou mais velhas, eram
especialmente violentas. Os meninos causavam incêndios no porão. As
meninas, em grupo, esperavam alguma de nós na saída da escola para
nos aterrorizar. Todos frequentávamos escolas diferentes na época,
então chegávamos em casa sozinhos.
Se eu os visse no quintal,
simplesmente me escondia até que entrassem. As Mulheres Sapo
carregavam um cinto por aí e os conduziam para dentro feito animais.
Ouvíamos os gritos deles vindos lá de dentro.
Um dia, saindo da escola, os dois
garotos me viram a metros de distância. Eles cochicharam e
apontaram. Subiram na bicicleta e começaram a pedalar rápido na
minha direção, e eu corri. Eles me alcançaram num piscar de olhos.
Eu tinha 7 anos e estava com tanto medo que não conseguia falar.
Corri e gritei! Sabia que eles tentariam me atropelar.
Quando chegaram bem perto e estava
óbvio que eu não ia escapar, gritei de novo. Eles tinham me
encurralado. Entrei em desespero. Agarrei a roda da frente de uma das
bicicletas e comecei a gritar! Ergui a bicicleta do chão e puxei,
tentando com toda a minha força derrubar aquele filho da mãe da
bicicleta!
— Para! Para! — gritavam ele e o
irmão.
— Me deixe em paz ou vou te matar,
porra — gritei descontrolada.
Eles enfim deram meia-volta e me
deixaram em paz, planejando a próxima travessura torturante. E
haveria muitas. Um dia minha irmã Anita jogou um tijolo em um carro
e fingiu que estava babando para se livrar das cinco garotas. Anita
literalmente agiu como louca — uma técnica que meu pai lhe
ensinou. Deloris apanhou algumas vezes delas.
Um dia minha mãe se cansou daquela
situação. Quatro das garotas dos Thompson estavam bloqueando o
caminho de Deloris para entrar no prédio. Por fim, elas bateram nela
e minha irmã correu escada acima. Minha mãe entrou em uma realidade
paralela. Em outras palavras, ela perdeu a razão. Desceu a escada
correndo até a porta do prédio. Corri atrás dela. Eu amava
presenciar qualquer tipo de briga fora do nosso apartamento. Era
melhor do que qualquer programa de televisão em horário nobre.
Minha mãe ergueu o punho:
— Vocês precisam parar de mexer com
os meus filhos! Entenderam? Se continuarem eu vou acabar com vocês!
Fiquei chocada. Depois de botar essa
banca, ela voltou lá para cima. Eu as olhei como se dissesse: Minha
mãe já avisou!
Bem, enquanto minha mãe se virava
para subir, Lisa, a mais malvada das meninas, disse:
— Sua vadia preta careca.
A melhor comparação que posso fazer
sobre o que aconteceu a seguir é daquela rocha indo atrás de
Indiana Jones em Os caçadores da arca perdida. Se ele não
corresse, com certeza ia ser espatifado. Bem, minha mãe era a rocha.
Ela pulou do lance de escadas em que estava e disse:
— Do que você me chamou?
Mas não era uma pergunta que
necessitava de resposta, porque ela começou a bater tanto em Lisa
que o corpo inteiro da garota saiu do chão enquanto ela caía na
entrada do nosso prédio. As irmãs de Lisa ficaram estáticas. Minha
mãe não parou por aí. Enquanto Lisa estava caída, ela apontou o
dedo para a menina e terminou seu “esculacho” histórico.
— Nunca mais me xingue assim! Senão
eu acabo com você de novo! Está entendendo? E deixe meus filhos em
paz!
Ela se virou e subiu os últimos
degraus até o nosso apartamento xingando sem parar.
— Vamos, Vahla!
Eu estava impressionada. Olhei para
trás e vi Lisa chorando caída no chão.
— Isso aí! Minha mãe acabou com a
sua raça!
E foi então que o caos se instaurou.
As Mulheres Sapo conheciam seus
direitos e decidiram prestar queixa. Ficamos aterrorizados. Tínhamos
certeza de que minha mãe seria presa. Insultos foram trocados. Houve
muitos barracos, muitos xingamentos e dedo na cara. A parte mais
estranha disso é que a Família Sapo desaparecia por semanas, meses
até, e, de repente, eles apareciam de carro e ficavam por um tempo
até desaparecer de novo. E uma das mulheres sempre tinha um maço de
dinheiro no bolso do avental.
Nessa época meu pai andava pra lá e
pra cá fumando um cigarro atrás do outro.
— Você tá ferrada, Mae Alice.
Caramba! O juiz pode te mandar pra cadeia ou te fazer pagar uma
indenização.
Minha mãe simplesmente dizia:
— Vou dizer a verdade.
Ela ainda estava soltando fogo pelas
ventas. Ainda estava com raiva.
Chegou o dia em que minha mãe
compareceu ao tribunal. Meu pai foi com ela. É engraçado que havia
momentos entre todas aquelas brigas, agressões terríveis e
alcoolismo em que eles eram uma frente unida, um time. Mas na
presença da autoridade, meu pai se mostrou acuado e minha mãe
cresceu.
Meu pai a preparou.
— Mae Alice! Seja lá o que o juiz
falar, escute. Não diga nada. Não retruque. Não faça nada. Já
passei por isso, Mae Alice. Eu sei do que estou falando —
sussurrou, nervoso.
— Dan! Eu sei falar!
— Mas, Mae Alice, você tem que
dizer: “Sim, Meritíssimo; não, Meritíssimo.” Tô te falando.
Ele deveria ter insistido no conselho.
Porque, aparentemente, quando o juiz os chamou, minha mãe desatou a
falar.
— Seu juiz! Essas crianças filhas
da puta têm mexido com os meus filhos! Toda vez que meus filhos
voltam da escola, elas ficam lá fora bloqueando o caminho, batendo
neles, tentando espancar eles! Eu cansei! E, sim, eu acabei com ela
porque ela me chamou de vadia preta careca! E, sim, eu chamo as tais
das “mães” de Mulheres Sapo porque é o que elas são. Elas
ficam instigando os filhos a fazerem isso.
Meu pai ficou pegando no braço dela,
dizendo baixinho:
— Mae Alice! Você não pode falar
isso.
— Dan, para de pegar no meu braço!
Tô falando com o homem! Tô contando a ele a verdade sobre esses
filhos da mãe
.O juiz a interrompeu:
— Mas, Sra. Davis. Sra. Davis! A
senhora não pode bater nos filhos de outra pessoa. É ilegal.
— Seu juiz, estou te dizendo, eu
cansei! Tem algo errado com esse povo. Tive que proteger meus filhos!
Meu pai ficou tentando fazê-la ficar
quieta e ao mesmo tempo demonstrar a frustração dele.
— Mae Alice, senta! Fica quieta, Mae
Alice!
— Dan! Para de tentar me calar! Tô
tentando contar ao homem qual é a situação.
E, por mais improvável que pareça, o
juiz entendeu. MaMama era e sempre foi encantadora, mesmo fora de
controle. Ele a liberou. E pelas próximas semanas, golpes épicos
foram trocados entre as famílias. Da nossa varanda no terceiro
andar, nós os víamos do outro lado da rua, em um estacionamento.
As Mulheres Sapo gritavam:
— Faz de novo e você vai ver!
— Não vou ver nada. Vou é acabar
com eles de novo se me chamarem de vadia preta careca! — gritava
minha mãe, rindo. — Eu acabei com ela.
— Não toque nos meus filhos —
respondiam as Mulheres Sapo.
Elas gritavam sem parar, trocando
ofensas. O ressentimento cresceu e ficamos com ainda mais medo de ser
encurraladas lá fora. Porém, outra coisa aconteceu. Enquanto os
adultos gritavam, nós, as crianças, todas nós, ficamos quietas.
Era como se disséssemos que aquilo já tinha passado dos limites.
Eles sabiam que tinham exagerado, e só queríamos que aquilo
parasse. Mas a causticidade estava esmagando nossos sentimentos
renovados de querer, ouso dizer, criar laços? Ser amigos?
O catalisador da amizade viria dias
depois. Estávamos no quintal jogando softball. De repente, os filhos
das Thompson saíram e Lisa pegou o taco. Ela começou a fazer
círculos no quintal. Os outros estavam atrás dela, incentivando
silenciosamente. Deloris correu lá para cima e chamou meus pais. Só
que meu pai desceu. Aquele que coloca ordem na casa. O cachorrão.
Aquele que não pode ser nomeado. Lorde Voldemort. O Comandante. Não
havia como pará-lo e não havia aviso. Ele saiu como um furacão
categoria.
Ele agarrou o taco de baseball.
— Parem com essa merda agora! Vocês
querem mexer comigo, filhos da puta?
Ele começou a ameaçá-los com o
taco, batendo na lateral da casa, no chão, no ar. Acho que até as
Sapos saíram.
— Venham, suas Mulheres Sapo filhas
da puta! Mexam comigo e com meus filhos mais uma vez e vou acabar com
todos vocês, filhos da puta! Tão ouvindo?
Então meu pai largou o taco e entrou
em casa.
Tudo ficou em silêncio. Ninguém se
mexeu. Meu pai, quando se irritava, era um homem de palavra. Ele
mantinha vários “brinquedos” ao lado da cama durante nossa
infância. Um forcado, um facão, um machado. E usava cada um deles.
Ele perseguiu Porky com o forcado; Porky era um dos amigos dele, que
tinha mais ou menos um metro e meio de altura, se vestia como Elvis e
tinha um carro sem o banco de trás, só com um monte de espuma
despedaçadEle foi até lá em casa exigindo dinheiro por ter
consertado o carro do meu pai, que em vez disso mostrou o forcado
para ele. Nunca vi um homem sair correndo tão aterrorizado. Meu pai
o perseguiu a pé, e Porky estava de carro. Meu pai voltou para casa,
ferveu uma panela de água e se sentou à janela, esperando que o
homem voltasse. E quanto ao facão e ao machado? Bem, esses
acontecimentos surgiriam muito mais tarde.
O confronto do meu pai com os Thompson
e o taco foi eficaz. Depois disso, acredite ou não, nós nos
tornamos amigos, bons amigos. Havia sorrisos, proteção, risadas.
Estávamos todos só descobrindo como amar e nos conectar. Estávamos
presos na armadilha do ciclo da violência. Apanhar o tempo todo faz
você começar a sentir que está errado. Não que você fez algo
errado, mas sim que é errado. Faz você ficar com muita raiva
do seu agressor, aquele de quem você tem medo demais para enfrentar,
então confronta o alvo mais fácil. Com esses, você pode. Até que
seu coração se cansa. Ninguém havia, até aquela altura, falado
com a gente, perguntado para nós quais eram nossos sonhos, como
estávamos nos sentindo. Dependia de nós descobrir.
Existe um abandono emocional que vem
com a pobreza e com o fato de ser negro. O peso do trauma geracional
e da luta por necessidades básicas não deixa espaço para mais
nada. Você apenas acredita que não passa de lixo.
Muitos anos mais tarde, minha mãe viu
Lisa, a mais malvada dos malvados, e ela se desculpou. Lisa
disse: “Sra. Davis, sinto muito por meu comportamento naquela
época, mas eu só estava com saudade da minha mãe. Elas tinham me
tirado dela. Elas pegaram todos nós e fraudavam os benefícios
governamentais. É por isso que tínhamos duas casas. Todas aquelas
garotas não eram minhas irmãs, e os garotos não eram meus irmãos.
Além disso, aquelas mulheres estavam abusando de nós, física e
sexualmente. Elas até acusaram a senhora de queimar o braço de
John. A gente sabia que era mentira. Sinto muito, Sra. Davis.”
Então vieram James, Bobby e Frank.
Eles eram meus melhores amigos e vizinhos. Tinham pais que os
chamavam para as refeições na hora do almoço e do jantar. O pai
deles, Tommy, até construiu um pequeno espaço para eles brincarem
atrás da casa. Eram garotos desordeiros, mas gentis, engraçados e
eu sentia, bem, que tinha algum poder sobre eles. Eles me ouviam. Eu
tinha 9 ou 10 anos na época, mas era a vidente sábia que levava
informações dos meus irmãos e irmãs mais velhos.
Tommy era um homem de pavio curto. A
mãe dos meninos tinha paralisia cerebral e o pai abusava dela
constantemente. A princípio eu não sabia, porque estava ocupada
demais admirando o fato de eles terem comida e hora para jantar, além
de um apartamento bom. Além disso, eu já estava ocupada demais
tentando amenizar os desvios de caráter das pessoas em geral. Havia
apenas um entendimento básico de que eles (e as outras pessoas) eram
melhores do que eu. Eles eram vítimas de condições miseráveis e
precisavam de amor e cura. Eu, por outro lado, havia nascido má.
Todo mundo sabia que Tommy abusava da
esposa. A pior parte é que minhas irmãs e eu o víamos sair do
apartamento por volta das nove da noite para ficar com a vizinha ao
lado, Rhonda. Víamos porque sempre demorávamos mais alguns minutos
para voltar para casa e começamos a xeretar como Sherlock Holmes.
Todas queríamos ser detetives e, voilà, descobrimos o segredo mais
bem guardado de todos.
Tommy e Rhonda se sentavam na
escadaria que levava ao apartamento dela, davam as mãos e se
beijavam. Nós observávamos, escondidos, e então numa hora oportuna
pulávamos e gritávamos: “Traidor!” Isso o irritava muito. Tommy
nos perseguia.
Nós também tínhamos o melhor animal
de estimação do mundo naquela época, nosso cachorro Coley.
Era um collie. Meu pai o pegou no hipódromo. Era um cachorro
treinado, muito inteligente e nos amava muito. Era tão leal que
minha mãe o levou à prefeitura com ela um dia. Ela terminou o que
tinha para fazer, mas saiu pela porta dos fundos em vez da porta da
frente, por onde entrara. Ficou chamando Coley e se perguntando onde
ele estava. Coley desaparecera. Ela ficou em pânico, então
procuramos pela cidade toda. Nós o encontramos horas depois na porta
da frente da prefeitura, por onde minha mãe entrara. Ele estava
uivando e ainda esperava por ela.
Um dia, tive a incrível ideia de
irmos ver o fantasma de uma garota que morrera na Cogswell Tower. A
torre ficava no Jenks Park, nosso parque favorito depois que o
Washington Street Park fechava. Durante o verão, participávamos de
competições recreativas. À noite, a Cogswell Tower era muito
sinistra. Parecia uma torre de terror. Ouvi uma história bem
estranha sobre uma garota que cometera suicídio ali. Ela havia se
transformado em um espírito atormentado cujo único propósito era
perambular pela torre sinistramente.
Contei a história a Bobby, James e
Frank. Como sempre, tive a atenção deles, que se mostraram tão
fascinados quanto eu. Naquela noite, falei que os ajudaria a sair
escondidos do apartamento e iríamos ao parque. Bem, assim que
anoiteceu, perto de oito e meia da noite, mais ou menos, fui até o
apartamento no primeiro andar e bati na janela do quarto deles.
Devagar, ajudei todos a sair. Estávamos animados, mas assustados e
abatidos.
— Vamos ver um fantasma! Mas assim
que a virmos, temos que correr — instruí minha equipe.
Começamos a caminhar para o parque.
James, o mais novo, estava completamente exausto e dava para ver que
tudo o que eles queriam era voltar para casa. Aquilo era demais para
a gente.
— Bobby! James! Frank! — gritou
uma voz ribombante atrás de nós.
Puta merda! Era o pai deles. Ele vinha
correndo com um cinto na mão e logo estava batendo nos meninos.
— Que diabos vocês pensam que estão
fazendo? Voltem pra casa! O que você está fazendo com meus filhos?
— O último grito dele foi para mim.
— Eles quiseram vir — falei.
— Você não pode mais brincar com
eles! Arrume outros amigos.
Eles foram embora, os garotos gemendo
e chorando. Eu me senti uma merda e com um pouco de inveja pelo pai
deles ter vindo correndo, segurando um cinto para encontrá-los.
Ninguém veio correndo me procurar.
No dia seguinte, Tommy, lívido, foi
até meu pai e contou a ele o que tinha acontecido. Ele ficou com
raiva.
— Ela é uma má influência para os
meus filhos! Não quero ela perto deles! — gritava.
Meu pai ficou dizendo que era um
engano, mas Tommy começou a direcionar a raiva ao meu pai por não
me controlar. Tommy estava a centímetros dele. Percebi que aqueles
homens tinham problemas similares para lidar com a raiva. Por fim,
meu pai o agarrou pelo pescoço.
— Seu branco filho da puta! Nunca
mais venha dizer na minha cara que meus filhos são má influência.
Sei o que você faz com a sua esposa, e seus filhos são tão ruins
quanto você!
Meu pai estava enforcando Tommy. Então
o empurrou e mandou que ele nunca mais aparecesse em nossa casa.
Tommy se afastou, arfando, aterrorizado e humilhado.
No dia seguinte, Coley ficou muito
doente. Ele parou de comer e beber água. Tinha espuma em volta da
boca e pus nos olhos. Nossos amigos, os Weigner, moravam mais adiante
em nossa rua, e o pai deles era o que se chamava de “Homem da
Carrocinha”. Trabalhava em um abrigo de animais. Ele foi à nossa
casa e constatou que Coley ingerira veneno de rato. Não havia nada
que pudéssemos fazer além de sacrificá-lo. Ele estava com muita
dor e fora de si.
Da última vez que o vimos, todos nos
despedimos. Coley estava na cozinha, balançando o rabo. Ele nos
amava muito. Abracei minha mãe descontroladamente. Estávamos
arrasados. A perda de um animal de estimação é difícil, mas é
especialmente duro quando eles servem ao propósito maior de
preencher uma lacuna de lealdade e amor. Tommy havia envenenado o
cachorro. Ou pelo menos era disso que meu pai suspeitava. Ele disse
que havia visto Tommy no quintal.
Central Falls era o meu lar, mas
também um campo minado. Era uma cidadezinha onde estávamos sempre
tentando desviar de pequenas e grandes explosões que podiam nos
abater, enquanto fazíamos o possível para ocupar um espaço e ser
alguém. Era uma zona de guerra emocional, tornada ainda pior por
causa da zona de guerra domiciliar. Eu não sabia o que eram limites.
Estava sempre fazendo coisas ruins para ser notada, exercendo
qualquer expressão de poder e autoridade que tivesse para me sentir
viva. Queria arrancar qualquer alegria e risos que conseguisse das
pessoas. Mas o pior era que no meu íntimo havia um demônio,
enquanto outra parte de mim lutava contra meu “eu vivo”. O
demônio sussurrava: “Você não é boa.” Mas a outra parte, a
lutadora, a sobrevivente, gritava de volta um sonoro: “Basta!”
Viola Davis, em Em busca de mim

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