Uma
professora me contou essa coisa deliciosa. Um inspetor visitava a
escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes, trabalhos dos alunos
acerca de alguns dos meus livros infantis. Como que num desafio, ele
perguntou à criançada: “E quem é Rubem Alves?”. Um menininho
respondeu: “O Rubem Alves é um homem que gosta de ipês
amarelos...”. A resposta do menininho me deu grande felicidade. Ele
sabia das coisas. As pessoas são aquilo que amam.
Mas
o menininho não sabia que sou um homem de muitos amores... Amo os
ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas levam seus
cães a passear. Eu levo meus olhos a passear. E como eles gostam!
Encantam-se com tudo. Para eles, o mundo é assombroso. Gosto também
de banho de cachoeira (no verão...), de vento na cara, do barulho
das folhas dos eucaliptos, do cheiro das magnólias, de música
clássica, de canto gregoriano, do som metálico da viola, de poesia,
de olhar as estrelas, de cachorro, das pinturas de Vermeer (o pintor
do filme Moça com brinco de pérola), de Monet, de Dali, de
Carl Larsson, do repicar de sinos, das catedrais góticas, de
jardins, da comida mineira, de conversar em volta da lareira.
Diz
Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto e não para pensarmos
nele. Nos poemas bíblicos da criação está relatado que Deus, ao
fim de cada dia de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que criara:
tudo era muito bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra
na alma. Meus olhos se espantam com tudo. Sou místico. Ao contrário
dos místicos religiosos, que fecham os olhos para verem Deus, a
Virgem e os anjos, eu abro bem os meus para ver as frutas e legumes
nas bancas de feira. Cada fruta é um assombro, um milagre. Uma
cebola é um milagre. Tanto assim que Neruda escreveu uma ode em seu
louvor: “Rosa de água com escamas de cristal...”. Vejo e
quero que os outros vejam comigo. Por isso escrevo. Faço fotografias
com palavras. Diferentes dos filmes, que exigem tempo para serem
vistos, as fotografias são instantâneas. Minhas crônicas são
fotografias. Escrevo para fazer ver. Uma das minhas alegrias são os
e-mails que recebo de pessoas que me confessam haver aprendido o gozo
da leitura lendo os meus textos. Os adolescentes que parariam
desanimados diante de um livro de 200 páginas sentem-se atraídos
por um texto pequeno de três páginas. O que escrevo são
aperitivos. Na literatura, frequentemente, o curto é muito maior que
o comprido. Há poemas que contêm um universo.
Mas
escrevo também com uma intenção gastronômica. Quero que meus
textos sejam comidos. Mais do que isso: quero que eles sejam comidos
com prazer. Um texto que dá prazer é degustado vagarosamente. São
esses os textos que se transformam em carne e sangue, como na
eucaristia.
Sei
que não me resta muito tempo. Já é crepúsculo. Não tenho medo da
morte. O que sinto é tristeza. O mundo é muito bonito! Gostaria de
ficar por aqui... Escrever é o meu jeito de ficar por aqui. Cada
texto é uma semente. Depois que eu for, elas ficarão. Quem sabe se
transformarão em árvores! Torço para que sejam ipês amarelos…
Rubem Alves, em Pimentas: para provocar um incêndio, não é preciso fogo

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