Tentei montar com aquele meu amigo que
tem um olhar
descomparado, uma Oficina de
Desregular a Natureza.
Mas faltou dinheiro na hora para a
gente alugar um
espaço. Ele propôs que montássemos
por primeiro a
Oficina em alguma gruta. Por toda
parte existia gruta,
ele disse. E por de logo achamos uma
na beira da
estrada. Ponho por caso que até foi
sorte nossa. Pois
que debaixo da gruta passava um rio. O
que de melhor
houvesse para uma Oficina de
Desregular Natureza!
Por de logo fizemos o primeiro
trabalho. Era o
Besouro de olhar ajoelhado. Botaríamos
esse Besouro
no canto mais nobre da gruta. Mas a
gruta não tinha
canto mais nobre. Logo apareceu um
lírio pensativo
de sol. De seguida o mesmo lírio
pensativo de chão.
Pensamos que sendo o lírio um bem da
natureza
prezado por Cristo resolvemos dar o
nome ao trabalho
de Lírio pensativo de Deus. Ficou
sendo. Logo fizemos
a Borboleta beata. E depois fizemos
Uma idéia
de roupa rasgada de bunda. E A fivela
de prender silêncios.
Depois elaboramos A canção para a
lata defunta.
E ainda a seguir: O parafuso de
veludo, O prego que
farfalha, O alicate cremoso. E por
último aproveitamos
para imitar Picasso com A moça com o
olho no centro
da testa. Picasso desregulava a
natureza, tentamos
imitá-lo. Modéstia à parte.
Manoel de Barros, em Memórias Inventadas – A Segunda Infância
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