sexta-feira, 18 de abril de 2025

1. Descendo a Toca do Coelho

 


Alice estava começando a ficar muito cansada de sentar-se ao lado de sua irmã no banco e de não ter nada para fazer: uma ou duas vezes havia espiado o livro que a irmã estava lendo, mas não havia imagens nem diálogos nele, “e para que serve um livro”, pensou Alice, “sem imagens nem diálogos?”
Então, ela pensava consigo mesma (tanto quanto podia, uma vez que o dia quente a fazia sentir-se sonolenta e esmorecida) se o prazer de fazer uma coroa de margaridas valeria o trabalho de se levantar e apanhá-las, quando repentinamente um Coelho Branco com olhos rosados passou correndo perto dela.
Não havia nada de tão extraordinário nisso; nem Alice achou assim tão fora do normal ouvir o Coelho dizer para si mesmo: “Oh, céus! Oh, céus! Irei me atrasar!” (quando refletiu sobre isso depois, ocorreu-lhe que deveria ter reparado nisso, mas à hora tudo lhe pareceu bastante natural); mas quando o Coelho efetivamente tirou um relógio do bolso do colete e olhou para ele, se apressando, Alice pôs-se de pé porque lhe relampejou pela cabeça que nunca tivera visto antes um coelho nem com um bolso de colete, nem com um relógio para tirar dele e, ardendo de curiosidade, correu através do campo atrás dele e felizmente chegou bem a tempo de o ver pular para dentro de uma grande toca de coelho debaixo da cerca.
Logo depois Alice desceu atrás dele, em momento algum considerando como faria para sair lá de dentro.
A toca do coelho era estreita como um túnel no começo e então se inclinava subitamente para baixo, tão subitamente que Alice não teve nem tempo de pensar em parar antes de ver-se caindo em um poço bem profundo.
Ou o poço era muito profundo, ou ela caiu muito lentamente, pois teve tempo o bastante enquanto caía para olhar ao seu redor e se perguntar o que aconteceria em seguida. Primeiro, tentou olhar para baixo e descobrir para onde estava indo, mas estava escuro demais para ver qualquer coisa; então, ela olhou para as laterais do poço e percebeu que elas estavam repletas de armários e prateleiras de livros; aqui e ali ela viu mapas e quadros pendurados. Ela tirou uma jarra de uma das prateleiras enquanto passava; a jarra estava rotulada como “GELEIA DE LARANJA”, mas para sua grande decepção, ela estava vazia: ela não quis soltar a jarra por medo de matar alguém, então deu um jeito de colocá-la em um dos armários enquanto passava por um.
Bem!” – pensou Alice consigo mesma – “Depois de uma queda como essa, eu não devo mais me preocupar em tropeçar das escadas! Como todos irão me achar corajosa lá em casa! Bem, eu não diria nada sobre isso, mesmo se caísse do telhado da casa!” (O que era provavelmente verdade.)
Caindo, caindo, caindo. A queda nunca chegaria ao fim? – “Me pergunto quantas milhas eu caí nesse tempo?” – falou em voz alta – “Eu devo estar chegando a algum lugar perto do centro da Terra. Deixe-me ver: isso seria seis mil quilômetros para baixo, eu acho” – (pois, veja você, Alice aprendera várias coisas desse tipo nas lições da escola e, mesmo que essa não fosse uma oportunidade muito boa para demonstrar seu conhecimento – já que não tinha ninguém lá para escutá-la, ainda assim, era bom repetir para praticar) – “Sim, essa é aproximadamente a distância certa – mas então eu me pergunto, em qual Latitude ou Longitude eu cheguei?” (Alice não tinha ideia do que era Latitude ou Longitude, mas achou que essas eram boas palavras grandes para se falar.)
Logo ela começou de novo – “Imagino se cairei através da Terra! Como vai parecer engraçado sair no meio de pessoas que andam de cabeça para baixo! Os Antipáticos, eu acho;” – (ela ficou mais contente por não haver ninguém escutando, dessa vez, pois essa não parecia mesmo a palavra correta) – “mas eu deverei perguntar a eles qual é o nome do país, sabe. Por favor, senhora, essa é a Nova Zelândia ou a Austrália?” – (e ela tentou reverenciar enquanto falava – reverência pomposa a medida que está caindo pelo ar! Você acha que conseguiria?) – “E que garota pequena e ignorante ela vai me achar por perguntar! Não, não vai dar para perguntar: talvez eu veja escrito em algum lugar.”
Caindo, caindo, caindo. Não havia mais nada para fazer, então Alice logo começou a falar de novo: “Diná vai sentir muito a minha falta esta noite, eu acho!” (Diná era sua gata) “Eu espero que eles se lembrem do pires de leite dela na hora do chá. Diná, minha querida! Eu queria que você estivesse aqui embaixo comigo! Não há ratos no ar, eu acho, mas você poderia pegar um morcego que é muito parecido com um rato, sabe. Mas será que gatos comem morcegos?” – E aqui Alice começou a ficar um tanto sonolenta e continuou falando para si mesma, de um modo distraído – “Gatos comem morcegos? Gatos comem morcegos?”, e algumas vezes, “Morcegos comem gatos?” – pois, veja, como ela não poderia responder nenhuma das questões, não importava muito o modo como as colocava. Ela sentiu que estava cochilando e começou a sonhar que estava andando de mãos dadas com Diná, falando para ela muito seriamente – “Agora, Diná, diga-me a verdade: você já comeu um morcego?” – quando subitamente, puf! puf!, ela acertou uma pilha de gravetos e folhas secas e a queda havia acabado.
Alice não estava nem um pouco machucada, e ficou de pé num instante – ela olhou para cima, mas estava tudo muito escuro; à frente dela havia outro corredor longo e o Coelho Branco ainda podia ser visto correndo por ele. Não havia um minuto a perder – Alice seguiu como o vento e foi bem a tempo de ouvi-lo dizer, enquanto virava uma esquina: “Oh, minhas orelhas e bigodes, como está ficando tarde!” – Ela estava logo atrás dele quando virou a esquina, mas já não conseguiu ver o Coelho; ela percebeu que estava em uma sala comprida, baixa, que era iluminada por uma fileira de lâmpadas penduradas no teto.
Havia portas por todos os lados da sala, mas estavam todas trancadas; e quando Alice já havia percorrido um lado e o outro tentando abrir todas as portas, ela andou tristemente para o meio, se perguntando como iria fazer para sair daquele lugar de novo.
De repente, encontrou uma pequena mesa de três pernas, toda feita de vidro maciço; não havia nada sobre ela exceto uma pequenina chave dourada, e o primeiro pensamento de Alice foi de que ela poderia pertencer a uma das portas da sala; mas, ai!, ou as fechaduras eram muito grandes, ou a chave muito pequena, mas de qualquer modo ela não abria nenhuma delas. Porém, em uma segunda olhada, ela achou uma cortina baixa que não havia notado antes e atrás dela havia uma pequena porta de uns quarenta centímetros de altura: ela experimentou a chavinha dourada na fechadura e, para sua grande alegria, serviu!

Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas

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