quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

As multidões


Nem a todo mundo é dado poder tomar um banho de multidão: usufruir da multidão é uma arte; só pode ter uma farra de vitalidade, às expensas do gênero humano, aquele em quem uma fada insuflou já no berço o gosto pelo disfarce e pela máscara, o ódio ao domicílio e a paixão pela viagem.
Multidão, solidão: termos iguais e permutáveis para o poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar sua solidão, não sabe também ficar sozinho numa multidão azafamada.
O poeta usufrui do incomparável privilégio de poder ser, à sua vontade, ele próprio e outrem. Como essas almas errantes que buscam um corpo, ele entra, quando quer, no personagem de cada um. Apenas para ele tudo está desocupado; e se certos lugares parecem estar-lhe fechados, é que a seus olhos não valem a pena de ser visitados.
O passeante solitário e pensativo extrai uma singular ebriez dessa comunhão universal. Aquele que desposa facilmente a multidão conhece prazeres febris, de que serão eternamente privados o egoísta, fechado como um cofre, e o preguiçoso, aprisionado como um molusco. Ele adota como suas todas as profissões, todas as alegrias e todas as misérias que a circunstância lhe apresenta.
O que os homens chamam amor é algo bem pequeno, bem restrito e bem fraco, comparado a essa inefável orgia, a essa santa prostituição da alma que se dá por inteiro, poesia e caridade, ao imprevisto que se mostra, ao desconhecido que passa.
Mesmo que apenas para humilhar por um momento seu tolo orgulho, é bom algumas vezes ensinar aos felizes deste mundo que há felicidades superiores às deles, mais vastas e mais refinadas. Os fundadores de colônias, os pastores de povos, os padres missionários exilados no fim do mundo conhecem, sem dúvida, alguma coisa dessas misteriosas embriaguezes; e, no seio da vasta família que o gênio deles formou para si, devem rir algumas vezes daqueles que os lamentam por seu destino tão agitado e por sua vida tão casta.

Charles Baudelaire, em O spleen de Paris – Pequenos poemas em prosa

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