Sepúlveda
O
cabildo da Cidade do México, flor e nata do senhorio colonial,
resolve mandar a Juan Ginés de Sepúlveda duzentos pesos de ouro, em
reconhecimento por sua tarefa e para animá-lo no futuro.
Sepúlveda,
o humanista, não é somente doutor e arcipreste, cronista e capelão
de Carlos V. Brilha também nos negócios, segundo prova sua
crescente fortuna, e nas cortes trabalha como ardoroso agente de
propaganda dos donos de terras e índios da América.
Ante
os alegados de Bartolomé de las Casas, assegura Sepúlveda que os
índios são servos pela natureza, segundo desejo de Deus, e que
sobrados exemplos brindam as Sagradas Escrituras do castigo aos
injustos. Quando Las Casas pretende que os espanhóis aprendam a
língua dos índios tanto como os índios a língua de Castilha,
contesta Sepúlveda que a diferença entre os espanhóis e os índios
é a mesma que separa machos e fêmeas e quase a que diferencia
homens de macacos. O que Las Casas chama de abuso e crime, para
Sepúlveda é legítimo sistema de domínio e recomenda a arte da
caça contra quem, tendo nascido para obedecer, recusa a escravidão.
O
rei, que publica os ataques de Las Casas, proíbe, em compensação,
o tratado de Sepúlveda sobre as justas causas da guerra colonial.
Sepúlveda aceita a censura sorrindo e sem protestar. Pode mais,
afinal das contas, a realidade que a má consciência, e bem sabe ele
o que no fundo sabem todos os que mandam: que é o desejo de ganhar
ouro, e não o de ganhar almas, o que levanta impérios.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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