sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

1554 – Cidade do México

Sepúlveda

O cabildo da Cidade do México, flor e nata do senhorio colonial, resolve mandar a Juan Ginés de Sepúlveda duzentos pesos de ouro, em reconhecimento por sua tarefa e para animá-lo no futuro.
Sepúlveda, o humanista, não é somente doutor e arcipreste, cronista e capelão de Carlos V. Brilha também nos negócios, segundo prova sua crescente fortuna, e nas cortes trabalha como ardoroso agente de propaganda dos donos de terras e índios da América.
Ante os alegados de Bartolomé de las Casas, assegura Sepúlveda que os índios são servos pela natureza, segundo desejo de Deus, e que sobrados exemplos brindam as Sagradas Escrituras do castigo aos injustos. Quando Las Casas pretende que os espanhóis aprendam a língua dos índios tanto como os índios a língua de Castilha, contesta Sepúlveda que a diferença entre os espanhóis e os índios é a mesma que separa machos e fêmeas e quase a que diferencia homens de macacos. O que Las Casas chama de abuso e crime, para Sepúlveda é legítimo sistema de domínio e recomenda a arte da caça contra quem, tendo nascido para obedecer, recusa a escravidão.
O rei, que publica os ataques de Las Casas, proíbe, em compensação, o tratado de Sepúlveda sobre as justas causas da guerra colonial. Sepúlveda aceita a censura sorrindo e sem protestar. Pode mais, afinal das contas, a realidade que a má consciência, e bem sabe ele o que no fundo sabem todos os que mandam: que é o desejo de ganhar ouro, e não o de ganhar almas, o que levanta impérios.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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