quarta-feira, 3 de dezembro de 2025
Qualificação
Não venham com razões
e palavras estreitas.
O que sou sustenta
o que não sou.
Por mais grave a doença,
a dor já me curou.
E levo no bordão,
o campo, a cerca,
as passadas que vão,
o rosto que se acerca
na rudeza do chão.
O que sou
é dar socos
contra facas quotidianas.
E é pouco.
Carlos Nejar, em Danações
De Profundis
As exigências que faz Alexander
Soljenítsin a seus leitores clandestinos na União Soviética
(quantos serão?) e a seu vasto público ocidental são ferozes e
muito perspicazes. Ele conhece e desdenha a fácil solidariedade com
que reage o público ocidental, o gosto levemente obsceno pelo
sofrimento à distância. Mais do que sermos nós a ler Soljenítsin,
é Soljenítsin quem nos lê. Como Tolstói em seus anos mais
avançados, Soljenítsin é um perscrutador, um explorador das
fraquezas humanas e um incômodo para o mundo.
Soljenítsin, anarquista teocrático,
não sente grande apreço pela razão, sobretudo quando brota do
“intelectual”, do homem que faz da imparcialidade seu ganha-pão
mais ou menos mundano. Diante do desumano, muitas vezes a razão é
um agente fraco, até risível. Também pode ser levemente
presunçosa, e Soljenítsin troça impiedoso da “objetividade”
fácil daqueles que argumentam, que tentam ser “razoáveis” sem
ter sido expostos a um milímetro sequer do arquipélago da dor. O
que tem a análise histórica a dizer diante dos sofrimentos de
Soljenítsin e de seu grito a percorrer a história moderna? Cada
tortura, cada indignidade imposta a um ser humano é irredutivelmente
singular e irredimível. A cada vez que um ser humano é açoitado,
submetido à fome, roubado de sua dignidade, abre-se um buraco negro
específico na estrutura da vida. Uma obscenidade adicional é
despersonalizar a desumanidade, é recobrir o fato irreparável da
agonia individual com categorias anônimas da análise estatística,
da teoria histórica ou da construção de modelos sociológicos.
Conscientemente ou não, qualquer um que ofereça um diagnóstico,
por mais compassivo ou mesmo condenatório que seja, diminui, atenua
a irremediável concretude da morte sob tortura deste homem ou
daquela mulher, da morte à fome desta criança específica,
facilitando o esquecimento. Soljenítsin tem a obsessão pela
sacralidade do detalhe. Como acontece em Dante e Tolstói, os nomes
próprios saem em cascatas de sua caneta. Ele sabe que, para rezarmos
pelos mortos sob tortura, devemos decorar e dizer seus nomes, aos
milhões, num infindável réquiem a nomeá-los sem cessar.
Mas a mente dos mortais é feita de
tal maneira que não consegue reter com uma identidade precisa mais
do que um pequeno número de presenças conhecidas. Pelo menos 20
milhões de homens, mulheres e crianças foram enviados à morte nos
expurgos stalinistas. Se tivermos uma grande capacidade de percepção
interna, conseguiremos visualizar, conseguiremos enumerar e, em certa
medida, identificar cinquenta, talvez cem pessoas. Para além disso
estende-se o cômodo limbo da abstração. Assim, se realmente
quisermos entender, precisamos tentar analisar, classificar, expor
esses sonhos da razão que se chamam teorias.
É uma platitude mais antiga do que
Tucídides que os homens no exercício do poder político podem
voltar e voltarão à bestialidade. Os milênios estão pontuados de
massacres com uma monotonia chocante. O tratamento rotineiro dado aos
escravos, aos dependentes familiares, aos loucos ou aos aleijados em
épocas e sociedades que agora, retrospectivamente, consideramos de
grande esplendor artístico, intelectual ou cívico é tão brutal
que paralisa nossa imaginação. Os oásis de compaixão eram raros e
esporádicos. (Daí a promessa cristã de um Paraíso em
compensação.) Ninguém sabe realmente se a grama voltou a crescer
por onde Gêngis Khan passou; não sobrou ninguém para verificar. Em
vastas áreas da Europa Central durante a Guerra dos Trinta Anos,
restaram apenas lobos se alimentando de ar.
Mas houve uma trégua, um relativo
armistício com a história nas áreas mais afortunadas da Europa
Ocidental e dos eua durante boa parte do século xviii, e depois
novamente entre o final das guerras napoleônicas e 1914. A constante
de selvageria ficou nas mãos de exércitos profissionais
especializados e foi exportada para a fronteira ou para as colônias.
Voltaire não era um utopista ingênuo quando previu o
desaparecimento da tortura e da represália em massa na vida
política. Os sinais eram auspiciosos. As táticas do general
Sherman, ao estilo huno, pareciam mero atavismo isolado e um tanto
embaraçoso.
São os massacres armênios de 1915-16
que se mostram problemáticos e, ao mesmo tempo, cruciais. Teriam
sido, como dizem alguns, um nefasto epílogo de uma longa história
de invasão e devastação “bárbara”, um retrocesso ao mundo de
Átila? Ou, como afirmam outros, marcaram o início da era do
holocausto e do genocídio? E quais são os vínculos técnicos e
psicológicos, se é que existem, entre a matança deliberada de 1
milhão de armênios às mãos dos turcos e as hecatombes simultâneas
no fronte ocidental? Qualquer que seja a resposta, o fato avassalador
foi que o homem político, o homem nacionalista, equipado com armas
sem precedentes na história, relembrou ou redescobriu a lógica da
aniquilação.
É segundo esta lógica que temos
conduzido nossos assuntos desde então. A lógica acarretou a
insanidade do assassinato em massa de 1914 a 1918 (quase 750 mil
pessoas apenas em Verdun), a erradicação de povos e alvos civis, o
envenenamento programado do meio ambiente, a matança brutal de
espécies animais, a liquidação nazista de judeus e ciganos. Hoje,
essa mesma lógica gera a erradicação desapiedada das tribos
indígenas em toda a Amazônia, a ubiquidade de um grau de terror e
tortura no Uruguai e na Argentina que se equipara ao que sabemos
sobre os matadores de Stálin e da Gestapo. Hoje, neste exato minuto,
é uma lógica que subscreve a carnificina suicida no Camboja. O
gulag não tem fronteiras físicas.
Isso não significa diminuir de
maneira alguma a especificidade dos relatos de Soljenítsin sobre o
Inferno. Mas cabe perguntar se e como o edifício soviético da
servidão e da degradação é ou não é uma parcela de uma
catástrofe mais geral. O próprio Soljenítsin não se mostra claro
a este respeito. Os dois primeiros volumes da crônica do gulag eram
peremptórios ao ressalvar que se deviam estabelecer distinções
entre as práticas nazistas e as stalinistas. Soljenítsin se
concentrou mais no fato (incontestável) de que Stálin massacrou
muitos milhões a mais do que Hitler. (Em seu auge, como mostrou
Robert Conquest em seus estudos clássicos a respeito, os campos
soviéticos contavam com cerca de 8 milhões de prisioneiros.)
Soljenítsin chegou a avançar a hipótese de que a Gestapo torturava
para arrancar “fatos”, ao passo que a polícia secreta russa
torturava para obter falsos testemunhos. Nenhuma dessas vulgaridades
desfigura este terceiro volume, O arquipélago Gulag três
(Harper & Row, 1978), mas Soljenítsin continua indeciso no
momento de indicar onde e como o gulag se insere no tecido da
história e da índole russas. Em alguns pontos, ele dá voz à
crença de que a opressão do alto e a obediência da grande massa da
população à autoridade bruta são características do espírito
russo. Mas, em outros, insiste na natureza especificamente
bolchevique do regime de terror, regime este iniciado por Lênin,
levado a uma eficácia insana por Stálin e que ainda hoje persiste
na loucura, em escala menos apocalíptica. Soljenítsin estabelece
várias vezes um contraste sarcástico entre as diabruras
relativamente benignas do aparato punitivo czarista (tal como exposto
por Tchecov ou Dostoiévski) e a bestialidade rematada da solução
soviética.
Se se perguntasse a Soljenítsin se o
retorno do homem político moderno à tortura, ao encarceramento e ao
assassinato de massa representa algum fenômeno geral, ou se cada
caso é uma pavorosa singularidade, imagino que ele responderia algo
assim: no momento em que a humanidade rejeitou o verdadeiro
significado e a premência do exemplo de Cristo, no momento em que
optou por ideais seculares e esperanças materiais, ela separou sua
história e suas instituições políticas da compaixão, do
imperativo da graça. Uma política ou uma burocracia social apartada
da sanção teológica traz inevitavelmente dentro de si a mecânica
do niilismo, da gratuidade autodestrutiva. O planeta gulag, a
ubiquidade da tortura e do homicídio em nossa existência pública,
é apenas a manifestação mais extrema, mais despudorada de uma
desumanidade que perpassa tudo.
É esta leitura
teológico-penitencial da condição humana que serve de base aos
dogmas mais excêntricos, mas também mais profundos e sinceros, de
Soljenítsin: seu horror ao liberalismo laico tal como provém da
Revolução Francesa; a aversão aos judeus, nos quais vê não
apenas os primeiros negadores de Cristo, mas também os libertários
radicais cuja agitação culmina no marxismo e no socialismo utópico;
o desprezo pelo “hedonismo degenerado” e pelo consumo desenfreado
nas sociedades ocidentais; a indisfarçada nostalgia pela aura
teocrática da Rússia ortodoxa, quase bizantina.
É um conjunto de teses que gera
isolamento e desperta perplexidade. Tem contra si uma aliança, ao
mesmo tempo risível e — para Soljenítsin — plenamente natural,
entre a KGB, a sra. Jimmy Carter (veja-se sua tentativa de refutar o
discurso de Soljenítsin na cerimônia de formatura de Harvard) e as
autoridades do fisco suíço tentando arrebanhar seu dízimo sobre os
royalties de seu recente hóspede. Juntas, essas crenças de
Soljenítsin compõem uma explicação “mística” da barbárie
moderna. É uma explicação que, por sua própria natureza, é
impossível de provar ou refutar. Mas existe alguma melhor?
Muitos têm tentado encontrar. A
falecida Hannah Arendt se esforçou em localizar as raízes do
totalitarismo moderno em determinados aspectos da evolução do
Estado nacional abrangente e do tipo de coletivismo econômico e
psicológico pós-Iluminismo. Outros veem nos campos de concentração
e morte uma derradeira encenação, ao mesmo tempo lógica e
paródica, dos processos industriais de padronização e linha de
montagem. De minha parte, apresentei a “metáfora de trabalho”
segundo a qual a eliminação da presença de Deus na vida cotidiana
e na legitimidade do poder político gerou a necessidade de instituir
na terra um sucedâneo da condenação (um Inferno aqui), que seriam
os gulags nazistas, soviéticos, chilenos e cambojanos. Mas nenhuma
dessas hipóteses é realmente explicativa. O que nos resta é o fato
central: de uma maneira e numa escala inconcebível para o homem
ocidental educado, desde, digamos, Erasmo até Woodrow Wilson,
retomamos ou inventamos uma política da tortura e do massacre. Desse
fato brota a única pergunta que importa: é possível deter o ciclo
infernal?
Soljenítsin, que sobreviveu não só
ao gulag, mas também ao pavilhão dos cancerosos, é movido por uma
vontade ardente. Talvez mais do que qualquer outro desde Nietzsche e
Tolstói, ele é senhor e servo da infinita resistência do espírito
humano. A resposta dele seria: sim, é possível deter essa tremenda
força; é possível rejeitar a banalidade do mal e dizer não aos
que querem reduzir o indivíduo a um operário do matadouro. Ele
diria — ou deveria dizer, à luz de suas próprias ideias — que
os eua poderiam deter o genocídio na Amazônia, o festival de
sadismo na Argentina, as degradações no Chile, retirando desses
regimes grotescos os investimentos, os interesses empresariais cuja
generosidade lhes serve de apoio. Soljenítsin pode e deve proclamar
que é possível interromper o automatismo da opressão, porque já o
viu interrompido ou, pelo menos, reduzido a uma impotência
temporária nas profundezas do próprio Inferno.
Este é o testemunho do último volume
da trilogia, com seu fascinante registro das revoltas nos campos, das
fugas, do desafio das vítimas em grupo ou individualmente.
Soljenítsin narra os quarenta grandiosos dias e noites da revolta de
maio e junho de 1954 no campo de Kengir. Conta a história — é uma
narrativa clássica — de Georgi P. Tenno, o mestre das fugas. Nos
comoventes capítulos finais, ele evoca sua ressurreição da casa
dos mortos, seu regresso, ao mesmo tempo angustiado e jubiloso, à
luz habitual de uma existência autorizada mais ou menos normal.
E no entanto esse colosso de homem,
tão acentuadamente estranho à humanidade comum, não conclui o
épico em tom consolador. Depois de nove anos escrevendo
clandestinamente, Soljenítsin encerra sua trilogia com a terrível
observação de que se passara um século desde a invenção do arame
farpado. E ele, que viu, viveu, narrou a mais alta resistência, a
mais elevada esperança contra o Inferno, dá a entender que é essa
invenção que continuará a determinar a história do homem moderno.
No negro desse grandioso afresco, esse é o toque mais desesperado.
4 de setembro de 1978
George Steiner, em Tigres no Espelho e Outros Textos
Fotografia: uma pequena suma
1. Fotografia é, antes de tudo,
um modo de ver. Não é a visão em si mesma.
2. É a maneira inelutavelmente
“moderna” de ver — predisposta em favor de projetos de
descoberta e inovação.
3. Essa maneira de ver, que agora tem
uma longa história, molda aquilo que procuramos perceber e estamos
habituados a distinguir nas fotografias.
4. A maneira moderna de ver é ver em
fragmentos. Tem-se a sensação de que a realidade é essencialmente
ilimitada e o conhecimento não tem fim. Segue-se que todas as
fronteiras, todas as ideias unificadoras têm de ser enganosas,
demagógicas; na melhor hipótese, temporárias; a longo prazo, quase
sempre falsas. Ver a realidade à luz de certas ideias unificadoras
tem a vantagem inegável de dar forma e feição à nossa
experiência. Mas também — assim nos instrui a maneira moderna de
ver — nega a infinita variedade e complexidade do real. Desse modo
reprime a nossa energia, a rigor o nosso direito, de refazer o que
queremos refazer — a nossa sociedade, nós mesmos. O que é
liberador, assim nos dizem, é perceber cada vez mais.
5. Numa sociedade moderna, as imagens
feitas por câmeras são o principal acesso a realidades das quais
não temos experiência direta de espécie alguma. E se espera que
recebamos e registremos um número ilimitado de imagens daquilo que
não experimentamos de forma direta. A câmera define para nós o que
permitimos que seja “real” — e empurra continuamente para
adiante as fronteiras do real. Os fotógrafos são especialmente
admirados se revelam verdades ocultas sobre si mesmos ou conflitos
sociais que não foram plenamente cobertos pela imprensa, em
sociedades ao mesmo tempo próximas e distantes de onde vivem os
espectadores.
6. Na maneira moderna de conhecer, é
preciso que haja imagens para que algo se torne “real”. Fotos
identificam eventos. Fotos conferem importância aos eventos e os
tornam memoráveis. Para uma guerra, uma atrocidade, uma pandemia, um
assim chamado desastre natural tornar-se objeto de ampla preocupação,
é preciso alcançar pessoas por meio de vários sistemas (desde a
televisão e a internet até jornais e revistas) que difundem imagens
fotográficas aos milhões.
7. Na maneira moderna de ver, a
realidade é antes de tudo aparência — a qual está sempre
mudando. Uma foto registra a aparência. O registro da fotografia é
o registro da mudança, da destruição do passado. Como somos
modernos (e se temos o hábito de olhar fotos, somos modernos por
definição), compreendemos que todas as identidades são
construções. A única realidade irrefutável — e nossa melhor
pista para a identidade — é a aparência que as pessoas têm.
8. Uma foto é um fragmento — um
relance. Acumulamos relances, fragmentos. Todos nós estocamos
mentalmente centenas de imagens fotográficas, que podem ser
lembradas de modo instantâneo. Todas as fotos aspiram à condição
de ser memoráveis — ou seja, inesquecíveis.
9. Na visão que nos define como
modernos há um número infinito de detalhes. Fotos são detalhes.
Portanto, fotos se parecem com a vida. Ser moderno é viver extasiado
pela autonomia selvagem do detalhe.
10. Conhecer é, antes de tudo,
reconhecer. O reconhecimento é a forma do conhecimento que agora se
identifica com a arte. As fotos das terríveis crueldades e
injustiças que afligem a maioria das pessoas do mundo parecem nos
dizer — a nós, que somos privilegiados e estamos relativamente
seguros — que temos de ser despertados; que temos de querer que se
faça algo a fim de cessarem tais horrores. E há também fotos que
parecem reclamar um tipo diferente de atenção. Para esse corpo de
obra em andamento, a fotografia não é uma espécie de agitação
moral ou social, destinada a nos incitar a sentir e a agir, mas sim
um projeto de notação. Olhamos, registramos, reconhecemos. Essa é
uma maneira mais fria de olhar. É a maneira de olhar que
identificamos como arte.
11. A obra de alguns dos melhores
fotógrafos socialmente engajados é muitas vezes reprovada, caso se
pareça muito com arte. E a fotografia entendida como arte pode
incorrer numa reprovação paralela — a de que amortece a
preocupação. Mostra-nos fatos, situações e conflitos que temos de
deplorar e nos pede que fiquemos distantes. Pode nos mostrar algo
realmente medonho e ser um teste do que nosso olhar consegue suportar
e que temos o dever de aceitar. Ou muitas vezes — isto é verdade
para boa parte da melhor fotografia atual — nos convida a olhar
para a banalidade. Olhar para a banalidade e também apreciá-la,
apoiados nos hábitos de ironia bastante desenvolvidos ratificados
nas justaposições surreais de fotos típicas de exposições e
livros sofisticados.
12. A fotografia — a forma suprema
de viajar, de turismo — é o principal meio moderno de ampliar o
mundo. Como um ramo da arte, o projeto da fotografia de ampliação
do mundo tende a especializar-se em temas tidos por contestadores,
transgressivos. Uma foto pode estar nos dizendo: isso também existe.
E isso. E isso. (E tudo isso é “humano”.) Mas o que devemos
fazer com esse conhecimento — se de fato é um conhecimento sobre,
digamos, o eu, sobre a anormalidade, sobre mundos clandestinos ou
relegados ao ostracismo?
13. Chamemos de conhecimento ou
chamemos de reconhecimento — de uma coisa podemos ter certeza a
respeito desse modo caracteristicamente moderno de experimentar
qualquer coisa: a visão e a acumulação de fragmentos de visão
nunca podem ser completadas.
14. Não existe uma foto final.
Susan Sontag, em Ao Mesmo Tempo — Ensaios e Discursos
“Terá de ser em segredo”
Ana disse não. Com veemência.
“Assim não quero.”
Meu ditado não fazia milagre nem em
casa de relojoeiro. O que poderia fazer? Para se ter uma filha
precisa-se de dois, para adotar também. Não me lembro de como foi o
jantar, do que fizemos depois, se fizemos alguma coisa, mas mais
tarde, na cama, cada um virado para um lado, ela disse, a voz tímida
cortando o negrume do quarto:
“Como seria?”
Horas depois. A retomada depois de
longa pausa me surpreendeu. “Não sei”, respondi, “mas posso me
informar. Acredito que precisamos entrar com um processo de adoção
e esperar.”
“Não é isso”, ela disse, ainda
sem se mexer, quase como se não fosse ela quem estivesse falando,
considerando. Eu já virara, estava sentado na cama.
“E o que é?”, perguntei, tentando
ser gentil, tom de voz afável, mão acarinhando os ombros tensos
dela.
“Como seria ter uma filha de um
ventre não judeu?”
O assunto me pareceu menor, quase
ínfimo. Com que direito um casal que perdeu cinco filhos na barriga
pode ser questionado sobre o assunto? Então sofrimento acumulado não
conta numa hora dessa?
Mas não disse nada.
Nem Ana.
Por um tempo.
Até que sentou.
E disse: “Terá de ser em segredo.”
Flávio Izhaki, em Amanhã não tem ninguém
Darl
"Este lugar serve", diz Pai.
Puxa as rédeas, parando as mulas, e se recosta para olhar melhor a
casa. "Podemos arranjar água lá embaixo."
"Muito bem", eu digo. "Dewey
Dell, peça um balde emprestado."
"Deus sabe", diz Pai. "Não
quero dever nada a ninguém. Deus sabe."
"Se arranjar uma lata de bom
tamanho, pode trazê-la", eu digo.
Dewey Dell desce da carroça, levando
o embrulho.
"Você não esperava tantas
dificuldades para vender esses bolos em Mottson", digo.
É incrível como nossas vidas se
desfazem na incomunicabilidade, no silêncio, nos gestos tediosos que
repetimos com tédio: ecos de antigos acordes que se diria arrancados
com braços sem mãos de instrumentos sem cordas: ao crepúsculo,
adotamos atitudes furiosas, gestos mortos de bonecas. Cash quebrou a
perna e agora a serragem escorre. É Cash quem está sangrando até
morrer.
"Eu não queria causar
incômodos", diz Pai. "Deus é testemunha."
"Então faça água você mesmo",
eu digo. "Podemos usar o chapéu de Cash."
Quando Dewey Dell aparece, vem
acompanhada de um homem. Depois, ele para e ela se aproxima e ele
volta para casa e fica no alpendre, a nos observar.
"Melhor não tentar descê-lo",
diz Pai. "Podemos cimentar aqui mesmo."
"Quer que a gente desça você,
Cash?", pergunto.
"Não chegaremos a Jefferson
amanhã?", ele diz.
Está a nos observar com atenção, os
olhos interrogativos, intensos e tristes. "Posso esperar."
"Você ficaria aliviado",
diz Pai. "O cimento impedirá a coceira."
"Posso esperar", diz Cash.
"Não devemos perder tempo com outra parada."
"Mas o cimento foi comprado",
diz Pai.
"Posso esperar", diz Cash.
"Mais um dia não faz diferença. Não está doendo muito".
Olha para nós, com os olhos
escancarados no rosto magro e cinzento, olhos interrogativos. "Isto
se arranja sozinho", diz.
"Já compramos o cimento",
diz Pai.
Misturo o cimento na lata, mexendo a
água grossa em grandes espirais de um verde pálido. Levo a lata à
carroça onde Cash pode vê-la. Ele está deitado de costas, seu
magro perfil em silhueta, ascético e profundo contra o céu. "Acha
que está bem assim?", pergunto.
"Não ponha muita água, do
contrário não grudará bem", ele diz.
"Botei água demais?"
"Talvez fosse bom acrescentar um
pouco de areia", ele diz. "Falta só um dia. E a perna não
me incomoda em absoluto."
Vardaman desce pela estrada, até o
lugar onde cruzamos o regato, e volta com areia. Despeja-a devagar na
espiral espessa dentro da lata.
Vou novamente à carroça, "Está
bem assim?"
"Está", diz Cash. "Eu
podia muito bem esperar. A perna não me incomoda em absoluto."
Afrouxamos as talas e colocamos
cimento sobre a perna, devagar. "Cuidado", diz Cash. "Não
deixem cair cimento no caixão, se puderem evitar."
"Sim", eu digo.
Dewey Dell rasga um pedaço de papel
do embrulho e enxuga o cimento em cima do caixão, quando ele pinga
da perna de Cash.
"Como se sente?"
"Estou melhor", ele diz.
"Está fresco. Agora me sinto melhor."
"Ainda bem que lhe alivia",
diz Pai. "Eu lhe peço perdão. Não podia prever que isto
acontecesse, nem você também."
"Estou melhor", diz Cash.
Se a gente pudesse desfazer-se no
tempo. Isto seria agradável. Seria agradável a gente desfazer-se no
tempo. Recolocamos as talas, as cordas, apertamos os nós, o cimento
aparece em sobras grossas, de um verde pálido, entre as cordas, e
Cash nos olha calmamente, com aquele profundo olhar interrogativo.
"Está firme agora", eu
digo.
"Sim", diz Cash. "Muito
obrigado."
Então nós viramos a cabeça, em cima
da carroça, e o observamos. Ele está subindo a estrada, atrás de
nós, com suas costas abauladas, o rosto de madeira, movendo-se
apenas dos quadris para baixo. Chega sem dizer palavra, com seus
pálidos olhos cravados na cara sombria, e entra na carroça.
"Outra subida", diz Pai.
"Acho que vocês têm de descer e andar a pé."
William Faulkner, em Enquanto Agonizo
terça-feira, 2 de dezembro de 2025
Diário de Bernardo Soares
74.
Trovoada
Este ar baixo e nuvens paradas. O azul
do céu estava sujo de branco transparente.
O moço, ao fundo do escritório,
suspende um minuto o cordel à roda do embrulho eterno....
“Como está só me lembra de uma”,
comenta estatisticamente.
Um silêncio frio. Os sons da rua como
que foram cortados à faca. Sentiu-se, prolongadamente, como um
mal-estar de tudo, um suspender cósmico da respiração. Parara o
universo inteiro. Momentos, momentos, momentos. A treva encarvoou-se
de silêncio.
Súbito, aço vivo,
Que humano era o toque metálico dos
elétricos! Que paisagem alegre a simples chuva na rua ressuscitada
do abismo!
Oh, Lisboa, meu lar!
Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego
De quanto é necessário?
De quanto eu
Sou
De quanto tu
És
De quanto ele/ela
É
De quantos nós
Somos
De quantos vós
Sois
De quantos eles/elas
São.
Elilson José Batista, em Alumbramentos
A mestra e os alunos
Dizem que a História é a mestra da
vida. Mas como é que os seus protagonistas incorrem sempre nos
mesmos erros? Não lhes aproveitou em nada o exemplo das
reprovações anteriores.
Ou talvez lhes aconteça o mesmo que
com os leitores de novelas policiais: cada qual sonha com o crime
perfeito. O crime que compensa.
Mário Quintana, em Caderno H
Procura-se fugitivo em Ipanema
Avisa-se às pessoas de bem que um
mimoso bicudo desapareceu da casa de seu amo e senhor no bairro de
Ipanema. O fugitivo ainda é jovem e não atingiu a idade em que se
torna preto de bico branco.
Come alpiste e vários outros
alimentos, mas tem uma fraqueza especial por sementes de cânhamo.
Quando estas sementes lhe são oferecidas pela manhã, ele vem comer
na mão; mas uma vez alimentado não convém introduzir nem a mão
nem um dedo sequer na gaiola, pois o intruso será recebido com uma
forte bicada. Há muito, entretanto, ele não tem a sua semente
predileta, pois as autoridades (in)competentes descobriram que o
citado cânhamo, em latim Cannabis sativa, é a mesma espécie cuja
resina produz efeitos estupefacientes quando as plantas são
dissecadas e trituradas por pessoas viciosas para obter o produto
vulgarmente chamado maconha.
Meu bicudo é, de seu natural,
desconfiado e valente, já tendo derrotado em pelejas memoráveis
dois canários-da-terra e um grande pássaro-preto. É também muito
ciumento, pois parou de cantar desde o dia em que o referido
pássaro-preto foi admitido na mesma varanda onde reside e começou a
cantar alto e desafinadamente.
Apesar de seu natural aguerrido, é
propenso a folguedos juvenis. Qualquer objeto estranho que se coloque
na gaiola é inicialmente examinado de longe, primeiro com o olho
esquerdo, depois com o direito. Depois é examinado mais de perto, e
afinal recebe uma bicada.
Se o objeto não reage, e é leve, é
logo transformado em brinquedo; pedaços de barbante, principalmente
coloridos, são de agrado especial.
Dispondo de água limpa, o fugitivo se
banha diariamente, e no rigor do verão mais de uma vez por dia; já
atingiu o nível de educação em que não procura se banhar no
bebedouro nem beber a água destinada ao banho. Depois do banho faz
sua meticulosa toalete com o bico e coca várias vezes a orelha com a
patinha.
Quando está dormindo e é despertado
demonstra um terrível mau humor e se posta em atitude de defesa, de
bico aberto, produzindo um grasnar semelhante ao de uma galinha
choca.
Bem tratado é, entretanto, capaz de
gestos suaves e atitudes distintas.
O fugitivo foi criado na roça e não
conhece a topografia do Rio de Janeiro, de maneira que dificilmente
voltará a sua varanda. Caso ele venha a cair em algum alçapão, a
pessoa que o encontrar fará obra caridosa devolvendo-o ao seu dono,
que é homem já de certa idade, com a vida esburacada de tristezas e
desilusões, não possuindo gato, nem mulher, nem cachorro por falta
de espaço no lar.
O dono desolado antecipadamente
agradece.
Maio, 1954
Rubem Braga, em Recado de primavera
1599 – Santa Marta
Fazem a guerra para fazer o amor
A rebelião estala no litoral do
Caribe e os trovões sacodem a serra Nevada. Os índios se alçam
pela liberdade de amar.
Na festa da lua cheia, dançam os
deuses no corpo do chefe Cuchacique e dão magia a seus braços. Dos
povoados de Jeriboca e Bonda, as vozes da guerra despertam a terra
toda dos índios tairona e sacodem Masinga e Masinguilla, Zaca e
Mamazaca, Mendiguaca e Rotama, Buritaca e Tairama, Taironaca,
Guachaca Chonea, Cinto e Nahuange, Maroma, Ciénaga, Dursino e
Gairaca, Origua e Durama, Dibocaca, Daona, Chengue e Masaca, Daodama,
Sacasa, Cominca, Guarinea, Mamatoco, Mauracataca, Choquenca e
Masanga.
O chefe Cuchacique veste pele de onça.
Flechas que assoviam, flechas que queimam, flechas que envenenam: os
tairona incendeiam capelas, arrebentam cruzes e matam frades, lutando
contra o deus inimigo que proíbe seus costumes.
No mais distante dos tempos, nestas
terras se divorciava quem queria e faziam o amor os irmãos, se
tinham vontade, e a mulher com o homem ou o homem com o homem ou a
mulher com a mulher. Assim foi nestas terras até que chegaram os
homens de negro e os homens de ferro, que lançam aos cães quem ama
como os antepassados amavam.
Os tairona celebram as primeiras
vitórias. Em seus templos, que o inimigo chama de casas do Diabo,
tocam a flauta nos ossos dos vencidos, bebem vinho de milho e dançam
ao som dos tambores e das trombetas de caracol. Os guerreiros
fecharam todas as passagens e caminhos para Santa Marta, e se
preparam para o assalto final.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
Bêbado interurbano
O telefone tocou às três horas da
manhã. Francine levantou-se, atendeu e trouxe o telefone para Tony
na cama. O telefone era de Francine. Tony atendeu. Era um interurbano
de Joanna, de Frisco.
– Escuta – ele disse –, eu disse
a você pra nunca me telefonar pra cá.
Joanna estivera bebendo.
– Cala a boca e ouça. Você me deve
uma coisa, Tony.
Tony expirou lentamente.
– Tudo bem, manda.
– Como está Francine?
– Bondade sua perguntar. Ela está
ótima. Nós dois estamos ótimos. Estávamos dormindo.
– Bem, de qualquer modo, eu fiquei
com fome e saí pra comer uma pizza, fui a uma pizzaria.
– É?
– Tem alguma coisa contra pizza?
– Pizza é lixo.
– Ah, você não sabe o que é bom.
De qualquer modo, eu me sentei na pizzaria e pedi uma pizza especial.
“Me dê a melhor”, eu disse a eles. Fiquei lá sentada, e eles
trouxeram e disseram que era dezoito dólares. Eu disse que não
podia pagar dezoito dólares. Eles riram e se afastaram, e eu comecei
a comer a pizza.
– Como estão suas irmãs?
– Não moro mais com elas. As duas
me expulsaram. Foram esses interurbanos pra você. Algumas contas de
telefone passavam dos duzentos dólares.
– Eu lhe disse pra parar de ligar.
– Cala a boca. Era minha maneira de
soltar a pressão devagar. Você me deve uma coisa.
– Tudo bem, vá em frente.
– Bem, como eu ia dizendo, comecei a
comer a pizza e a me perguntar como ia pagar. Aí senti sede.
Precisava de uma cerveja, e por isso levei a pizza pro balcão e pedi
uma cerveja. Bebi e comi mais um pouco de pizza, e depois notei um
texano alto parado junto de mim. Devia ter quase dois metros. Me
pagou uma cerveja. Estava pondo discos na vitrola automática, só
música country. O lugar era country. Você não gosta
de música country, gosta?
– Não gosto é de pizza.
– Seja como for, dei um pedaço de
pizza ao texano alto e ele me pagou outra cerveja. Ficamos tomando
cerveja e comendo pizza até acabar a pizza. Ele pagou a pizza e a
gente foi pra outro bar. Dançamos. Ele era bom dançarino. A gente
bebia e ia de um bar country pra outro. Todo bar que a gente
entrava era country. A gente tomava cerveja e dançava. Ele
era um ótimo dançarino.
– É?
– Finalmente ficamos com fome de
novo e fomos a um drive-in comer um hambúrguer. Comemos os
hambúrgueres e aí, de repente, ele se curvou sobre mim e me beijou.
Foi um beijo quente. Uau!
– Oh?
– Eu disse a ele: “Diabos, vamos
pra um motel.” E ele disse: “Não, vamos pra minha casa.” E eu
disse: “Não, quero ir prum motel.” Mas ele insistiu em ir pra
casa dele.
– Havia uma esposa?
– Não, a esposa dele está na
cadeia. Matou uma das filhas deles a tiros, de dezessete anos.
– Entendo.
– Bem, ele ainda tinha outra filha.
Ela tinha dezoito anos e ele me apresentou a ela e depois fomos pro
quarto.
– Eu tenho de ouvir os detalhes?
– Me deixa falar! Sou eu que estou
pagando este telefonema. Eu paguei todos esses telefonemas! Você me
deve alguma coisa, logo, me escute!
– Vá em frente.
– Bem, a gente entrou no quarto e
tirou a roupa. Ele estava verdadeiramente bêbado, mas tinha o pau
terrivelmente roxo.
– Quando os bagos são roxos é que
há problema.
– Seja como for, caímos na cama e
brincamos um pouco. Mas havia um problema...
– Bêbado demais?
– É. Mas o principal é que ele só
sentia tesão quando a filha entrava no quarto ou fazia barulhos...
tipo tossir ou usar a descarga no toalete. Qualquer visão ou sinal
da filha deixava ele ligado, o cara ficava excitado mesmo.
– Eu compreendo.
– Compreende?
– Sim.
– Seja como for, de manhã ele me
disse que eu tinha uma casa pra vida toda, se quisesse. Mais uma
pensão de trezentos dólares semanais. Tinha uma casa muito bacana:
dois e meio banheiros, três ou quatro aparelhos de TV, uma estante
cheia de livros: Pearl S. Buck, Agatha Christie, Shakespeare, Proust,
Hemingway, os Clássicos Harvard, centenas de livros de cozinha e a
Bíblia. Tinha dois cachorros, um gato, três carros...
– Sim?
– Era só o que eu queria contar a
você. Tchau.
Joanna desligou. Tony pôs o fone no
gancho, e o telefone no chão. Deitou-se. Esperava que Francine
estivesse dormindo. Não estava.
– Que era que ela queria? – ela
perguntou.
– Me contou uma história de um cara
que comia as filhas.
– Por quê? Por que ela ia lhe
contar isso?
– Acho que pensou que me
interessaria; além do fato de ter fodido com ele também.
– Você se interessou?
– Na verdade, não.
Francine virou-se para ele e ele
passou o braço em torno dela. Os bêbados das três horas da manhã,
em todos os Estados Unidos, fitavam as paredes, depois de terem
finalmente desistido. Não era preciso ser bêbado para se machucar,
para cair sob a mira de uma mulher; mas a gente podia se machucar e
se tornar um bêbado. Você podia pensar por algum tempo, sobre tudo
quando era jovem, que estava com sorte, e às vezes estava mesmo. Mas
havia todo tipo de médias e leis em ação das quais você nada
sabia, mesmo quando imaginava que tudo ia indo bem. Uma noite, uma
quente noite veranil de quinta-feira, você se tornava o bêbado,
você estava lá fora sozinho num quarto de aluguel barato, e por
mais que tivesse visto isso antes, não adiantava, era até pior,
porque você tinha pensado que não teria de enfrentar aquilo de
novo. A única coisa que podia fazer era acender mais um cigarro,
servir outra bebida, examinar as paredes descascadas em busca de
olhos e lábios. O que homens e mulheres se faziam uns aos outros
estava além da compreensão.
Tony puxou Francine para mais perto,
comprimiu o corpo tranquilamente contra o dela e ficou ouvindo-a
respirar. Era horrível ter de ser sério sobre uma merda daquela de
novo.
Los Angeles era muito estranha. Ele
ouvia. Os pássaros já haviam despertado, cantando, mas ainda estava
escuro como breu. Logo as pessoas estariam se dirigindo para as
autoestradas. A gente ouviria as auto-estradas zumbirem, outros
carros sendo ligados por toda parte nas ruas. Enquanto isso, os
bêbados das três da manhã do mundo estariam deitados em suas
camas, tentando em vão dormir, e merecendo esse repouso, se pudessem
encontrá-lo.
Charles Bukowski, em Numa Fria
segunda-feira, 1 de dezembro de 2025
Lá fora
há um amor
que entra de férias.
Há um embaçamento
de minhas agulhas
nítidas diante
dessa boa bisca
de mulher.
Há um placar
visível em altas horas,
pela persiana deste hotel,
fatal, que diz: fiado,
só depois de amanhã
e olhe lá,
onde a minha lâmina
cortante,
sofrendo de súbita
cegueira noturna,
pendura a conta
e não corta mais,
suspendendo seu pêndulo
De Nietzsche ou Poe
por um nada que pisca
e tira folga e sai
afiado para a rua
como um ato falho
deixando as chaves
soltas
em cima do balcão.
Ana Cristina Cesar, em A Teus Pés
Uma tarde feliz como embandeirada...
Que felicidade pura e suave. Tudo
nesta tarde estava ameno e leve como a brisa para preparar minha ida
à casa de Grauben. Enfeitei-me um pouco: queria estar bonita,
imitando de longe a natureza desta tarde. E lá fui eu com dois
livros na mão para dedicar à delicadíssima pintora. Depois entendi
que deveria ter levado papoulas, as mais lindas e variadas, e se
pudesse comprava uma borboleta viva para cheirar as flores.
E Grauben? Ela é a esperança dos que
temem a velhice. E o segredo é descobrir em si mesma a possibilidade
de uma ação criativa. Grauben tem 78 anos. Ela é enxutinha, e tão
bonitinha, e mexe-se com gestos hábeis e ágeis, anda com mais
leveza do que muita jovem. E seu rosto? É lindo: uma pele sem
mancha, a saúde se refletindo naqueles olhos alegres, o rosto
cor-de-rosa. Se esta é sua cor, ótimo. Se era um pouquinho de ruge,
melhor ainda. Eu que, mesmo sem motivo, sou um pouco melancólica, vi
que estava rindo e sorrindo e era a mais límpida homenagem à
pintora. Escolhi um quadro que tem tudo da Grauben: um grande pássaro
azul entre águia e pavão, uma enorme borboleta, uma flor toda
aberta, plantas e todos os pontilhados que ela usa como fundo do
quadro e que dão a impressão de uma moita de alegria. Nós duas
queríamos nos conhecer mutuamente. Lamento apenas ter provavelmente
ar de boba, sorrindo à toa. Sua filha Eunice Catunda é concertista.
Passamos para o seu apartamento ao lado e ela tocou para mim. Toda eu
era um coração batendo de emoção. Os sons que saíam de seus
dedos eram tão puros e sonoros e límpidos. Eu estava séria de
prazer. Eunice já tocou como solista no Carnegie Hall e em setembro
irá de novo se apresentar na mesma sala de concertos onde só os
grandes entram. “Eu me divirto com meus filhos: são tão
inteligentes e capazes. Eunice, por exemplo, além dos concertos por
tantos lugares do mundo, tem jeito para tudo: se faz pintura, faz
ótima, se cozinha a comida é perfeita, ela sabe fazer tudo.”
Grauben não perde nada deste mundo. Ela é pra frente. Sua
casa de súbito para mim parece um bosque encantado, úmido, denso,
rico com todas as invisíveis folhas verdes e transparentes. E eis-me
agora com uma Grauben em casa. Quem não tem jamais saberá o
que perde. E o preço dos quadros é perfeitamente acessível a um
enorme número de pessoas. Grauben me deu uma fotografia sua
segurando exatamente o meu quadro. E atrás da fotografia –
desculpem, mas a alegria me faz perder por um instante a modéstia
objetiva com que vivo – atrás da fotografia escreveu: “À grande
Clarice, obrigada por conhecê-la, a desde já grande amiga.”
Assinado o nome mais deleitoso entre nossas pintoras: Grauben.
Clarice Lispector, em Todas as crônicas
Capítulo 11 – Ser Vista
Que você viva tempo o bastante
para saber o motivo de ter nascido.
— BÊNÇÃO CHEROKEE CONCEDIDA AOS
RECÉM-NASCIDOS
Do nono ano até terminar o ensino
médio, moramos na Park Street, e depois na Parker Street, porque
fomos despejados do primeiro endereço. Na Parker Street, tínhamos
um apartamento de sótão, pequeno, com teto inclinado e apenas dois
quartos. Minha irmã Anita tinha ido para a faculdade e arranjou o
próprio apartamento. Dianne fora na frente muito tempo atrás.
Morava em Washington, D.C. Então éramos apenas eu, minhas irmãs
Deloris e Danielle, e meus pais. Meu irmão, John, nunca estava por
perto.
O auxílio do governo havia sido
cortado porque descobriram que meu pai ainda morava conosco e recebia
salário. Não era o suficiente para viver, mas era um salário. Na
época, eles cortavam o benefício e pronto. Quando fomos despejados,
arranjamos carrinhos de supermercado, colocamos neles tudo o que
conseguimos e partimos para a Parker Street, para o minúsculo
apartamento de sótão no terceiro andar. Se hoje eu tivesse que
carregar um carrinho de supermercado cheio de pertences por três
lances de escada sinuosos, não daria conta. Foi repentino assim;
tínhamos que sair. Eu estava no primeiro ano do ensino médio quando
nos puseram para fora.
Tirando o fato de não pagarmos o
aluguel, foi assim que fomos despejados: meus pais entraram em uma
briga brutal e sangrenta com Carlos, o proprietário. Talvez a briga
tenha começado por conta do aluguel. Carlos era português e tinha
um sotaque bem carregado, e obviamente sua paciência havia se
esgotado. Ele queria que um de seus parentes se mudasse para o
apartamento, e estava cansado de não receber nenhum centavo dos meus
pais. Eles sempre prometiam pagar, e daquela vez atrasaram tanto que
ele cansou. Meu pai estava convencido de que Carlos era racista.
Quando meu pai sentia qualquer sinal de que estava sendo visto como
inferior, perdia o controle. Para mim, o homem só queria receber o
aluguel.
Carlos veio com a esposa, exigindo
receber o dinheiro. Meu pai começou a discutir depois que o outro
declarou que tínhamos que sair. A discussão degringolou. Meu pai
havia chegado em casa naquele dia com um novo brinquedo, um facão,
que trazia enrolado em uma toalha, recém-afiado. Carlos viu o facão
e começou a gritar que meu pai planejava atacá-lo. Tentou
desarmá-lo, e meu pai tentou pegar a arma de volta. A esposa de
Carlos se desesperou e se atirou no meu pai também. E então veio
MaMama: sem querer ficar de fora, agarrou o marido.
A situação se transformou num cabo
de guerra com gritos, choro e xingamentos. Todo mundo gritando ordens
em inglês e português.
— Solta!
— Não! Solta você!
— Você estava tentando me matar!
— Não, não estava! Eu estava
levando ele pra casa, filho da puta!
A briga acabou com Carlos levando um
corte na parte de baixo do braço. Acho que meu pai também cortou a
mão, e, bem, fomos despejados. Carlos estava tão aliviado por irmos
embora que esse provavelmente foi o motivo de nunca ter prestado
queixa na polícia.
A essa altura, eu tentava deixar para
trás os últimos vestígios do meu mau comportamento e estava
extremamente focada em conquistar o máximo possível. Mais uma vez,
não havia percebido que meu comportamento estava diretamente ligado
ao caos que havia em minha casa. Eu era um barril de pólvora cheio
de segredos. Guardei todos eles porque assim podia seguir com a vida.
Não podia colocar para fora o que estava sentindo.
Eu me agarrava a qualquer chance
disponível de participar de algo em que pudesse deixar minha marca.
Os professores e conselheiros na Central Falls Jr. Sr. High School
eram minha esperança: o Sr. Aissis, o Sr. Yates, o Sr. Perkins, Jeff
Kenyon, Mariam Boyajian.
O Sr. Aissis, que era igualzinho a
Gene Wilder, só que menor, fora meu professor de ciências no nono
ano. Era também diretor musical e instrutor do Glee Club. Eu o
enlouquecia. Eu era ruim. Falava demais. Era a clássica garota do
teatro que precisava de um escape criativo e não conseguia
encontrar, então o criei para mim mesma, de maneira inapropriada, na
aula. Em outras palavras, eu aprontava.
Ele sempre gritava comigo. No nono
ano, me expulsou da turma e fui colocada em outra. Eu não conhecia
ninguém naquela turma de ciências, então na mesma hora fechei o
bico. Não tinha ninguém com quem aprontar.
Alguns anos depois, o Sr. Aissis foi
até uma das minhas aulas e disse:
— Viola, tenho uma coisa para você.
— O que é?
— Fui ao dentista hoje e, enquanto
estava na sala de espera, vi este panfleto, Viola.
Era um panfleto para a Arts
Recognition and Talent Search, uma competição em Miami, Flórida,
com cinco disciplinas: teatro, artes visuais, dança, música e
escrita. Cada uma tinha o próprio formato. Trinta jovens em cada
categoria seriam escolhidos para uma viagem com tudo pago para Miami.
Era reservado para alunos ingressantes do último ano do ensino
médio.
— Você poderia tentar a bolsa de
teatro — sugeriu ele.
— O que eu ganho? — perguntei.
Ele deu uma olhada no panfleto.
— Dinheiro da bolsa de estudos,
acho.
— Não posso.
Uma competição nacional? O panfleto
era grosso, e só a inscrição já continha uma lista cheia de
exigências. Enquanto o Sr. Aissis estava ali, eu a li em voz alta,
pensando, a cada palavra que pronunciava, no absurdo que seria
aquilo. Tinha que montar uma gravação de um monólogo clássico e
um contemporâneo. Tinha que preencher um formulário de inscrição
gigantesco, que incluía uma redação. E, é lógico, havia uma taxa
de inscrição.
— Não posso — repeti.
— Bom, pense no assunto — disse
ele. — Quando vi, lembrei de você. Lembrei de você, Viola.
Ele me expulsou da aula porque me
enxergou. Viu alguma coisa em mim.
Fiquei olhando para aquele papel. Por
fim, compartilhei o panfleto e sua oportunidade impossível com meu
conselheiro do Upward Bound, Jeff Kenyon. Eu podia chamar os
conselheiros do Upward Bound pelo nome. Podia ligar para Jeff no meio
do dia e dizer: “Oi, Jeff! Estou tendo uma crise de ansiedade no
meio da aula de ciências. Você pode me ajudar?” E ele ia. Ele
sempre ia.
Jeff foi a primeira pessoa a me levar
com minha irmã Deloris a uma reunião de partido político, para que
entendêssemos como funcionava uma campanha política. Ele foi a
primeira pessoa a nos levar para a Sociedade da Herança Negra de
Rhode Island, para que aprendêssemos sobre ex-escravizados
abolicionistas que sabiam ler e escrever e foram essenciais para a
libertação de outros. Por mais branco que fosse, Jeff nos ensinou
muito sobre a história negra. Ele me ouviu conversando com minha
irmã um dia no carro e entendeu nossa ignorância sobre nossa
própria história. Foi isso. Esse foi o incentivo de que ele
precisava para agir. Ele nos pegava no meio da semana, nos levava
para comer e conversava conosco para saber como estávamos.
— O que aconteceu? — perguntou
Jeff naquela semana.
— Bom, meu professor de ciências…
— E contei a ele a história, terminando com: — Mas não posso
fazer isso.
Jeff ficou em silêncio. Eu podia
vê-lo segurando a raiva.
— Deixa eu ver o panfleto. —
Depois de ver, ele perguntou: — Por que você não pode?
— Porque não tenho uma fita VHS,
Jeff.
— Quanto custa uma fita VHS?
— Bom, não sei. Mas provavelmente…
— Vou comprar uma pra você.
Silêncio.
— Bom, obrigada, mas não tenho os
15 dólares da inscrição.
— Viola, eu consigo uma isenção da
taxa para você.
Silêncio.
— Bom, Jeff, eu tenho que me filmar
fazendo dois monólogos. Onde vou filmar?
— Viola, há uma estação de TV no
campus da Rhode Island College. Conheço pessoas lá. Você pode
filmar no campus.
Depois de uma longa pausa, ele disse:
— Agora você não tem mais
desculpas.
E Jeff estava certo. Agora era hora de
eu, como ouvi pessoas negras dizerem tantas vezes, “cagar ou sair
da moita”. Então caguei.
Reuni meus monólogos. Fui à Rhode
Island College, onde Deloris estudava. Ela estava muito animada.
Fiquei trocando de roupas, cuja maioria pertencia a Deloris, no
quarto dela, procurando o visual certo. Fui à estação de TV.
Filmei o monólogo contemporâneo e o clássico. Preenchi minha
inscrição. Enviei tudo. Livre das correntes das minhas desculpas,
eu estava lidando com o assunto e exercitando minha atitude, em vez
de ficar sentada sem fazer nada. E realizar aquela ação foi por si
só uma vitória.
Só para a competição de teatro
milhares se inscreveram, mas apenas trinta seriam selecionados. Eu
não pensava ter qualquer chance, mas me orgulhava do que fizera;
concluí o trabalho duro e árduo de me inscrever.
Lembro-me de ir para casa um dia
depois da escola com minha amiga Kim Hall, como já havíamos feito
inúmeras vezes. Nesse dia em especial, conforme nos aproximávamos
da minha casa, olhei lá para a frente e de repente vi MaMama
correndo em nossa direção. Não correndo normalmente, mas a toda a
velocidade, como se sua vida dependesse disso. Vale lembrar que
MaMama é muito do interior. Enquanto ela avançava feito uma
corredora olímpica até nós, percebi que estava usando os sapatos
do meu irmão. Eu não sabia o motivo. Provavelmente não conseguira
encontrar os dela. Mas, enquanto se aproximava, vimos como ela estava
ensandecida, agitando um pedaço de papel, correndo, gritando. Era um
telegrama da Western Union, algo estranho para aqueles mais jovens do
que alguém da Geração X. Pense nisso como uma mensagem, mas em
forma física em vez da instantânea e digital. MaMama sequer parou
para recuperar o fôlego antes de revelar o conteúdo da mensagem.
“Você foi escolhida para ir para Miami, Flórida, para a
competição da Arts Recognition and Talent Search.”
Fiquei paralisada. Emudecida.
Paralisada como quando minhas irmãs gritaram para que eu jogasse a
bombinha pela janela. Paralisada como quando minha família toda
implorou para que eu pulasse do que pensamos ser nosso apartamento em
chamas. Paralisada como quando me sentei em silêncio todas aquelas
vezes que ouvi sermões dos professores, das enfermeiras e dos
diretores sobre minha falta de higiene. Mas aquele era um tipo bom de
paralisia; um tipo espetacular e glorioso. Pasma pela pura
incapacidade de acreditar na notícia que minha mãe estava me dando.
Estupefata pela ideia de que o trabalho que investi em um sonho louco
realmente deu certo. Atônita diante do fato de que indivíduos
completamente desconhecidos me viram e me julgaram digna de
participar da sua prestigiada competição.
Eu não conseguia de jeito nenhum me
ver como uma entre os poucos escolhidos, mas, das mil e duzentas
inscrições, fui uma das trinta selecionadas. Ganhei uma viagem com
tudo pago para Miami. Eu estava dentro.
Não lembro o que falei para a minha
mãe quando saí daquele estupor, mas seja lá o que tenha sido foi
acompanhado por muitos gritos, sorrisos e lágrimas. Eu era a maior
chorona.
No verão do meu último ano de ensino
médio foi a primeira vez que voei de avião. Eu me senti muito
deslocada em Miami. Aquela viagem era uma das maiores coisas que
tinham me acontecido até então. Meus dois monólogos eram de
Everyman e Runaways, que tinha muitos diálogos
incríveis sobre se sentir abandonado. Não lembro qual exatamente
apresentei. Pode ter sido “Footsteps” ou o último monólogo da
peça. Eram todos deliciosos, pois davam aos atores uma variedade de
sentimentos e emoções com os quais trabalhar e compartilhar com a
plateia. E agora eu tinha a oportunidade de compartilhar todos
aqueles sentimentos, tantos que vieram das minhas próprias
experiências, com os melhores dos melhores reunidos em Miami.
Dito isso, eu me sentia muito
deslocada perto dos maiores talentos do país. Ficamos no
recém-inaugurado hotel Hyatt Regency, em Miami. A imprensa
estava lá naquela semana, até mesmo o Good Morning America.
Excelentes atores, dançarinos, músicos e artistas visuais das
melhores escolas de arte chegaram com toda a pompa. Eu cheguei com um
vestido que tinha custado trinta dólares em uma loja no centro de
Pawtucket e um conjunto de dois dólares da Sociedade de São Vicente
de Paulo. Estava deslumbrada e totalmente despreparada, do ponto de
vista artístico. Também não estava preparada socialmente. Aqueles
jovens se sentiam à vontade, confiantes, ou pelo menos fingiam bem,
e eram barulhentos. Eu não era nenhuma dessas coisas. Além disso,
estava extremamente tímida. Eu me senti sozinha. Lembrando agora,
vejo que tinha muito mais ansiedade social que timidez. Senti que não
valia a pena revelar quem eu era de verdade. Ficava aterrorizada toda
vez que “ela” tinha que se mostrar.
Dividi quarto com uma garota da
Pensilvânia que falava sobre ganhar, sobre quem ela considerava
incrível e quem não. Ela queria muito aquilo! Fosse lá o que
“aquilo” significasse. Ela sempre se torturava após a audição
diária. Eu não entendia. Eu só estava tentando sobreviver.
Fui muito bem com meus monólogos.
Depois disso, pareceu que todo mundo queria me “conhecer”. Todo
mundo ama um vencedor. Quando eu precisava improvisar, o que amava
fazer, ficava travada. Havia improvisações de cinco minutos, três
minutos e um minuto. Depois que eu travava, um silêncio coletivo
recaía sobre mim e sobre o resto do grupo.
Foi uma semana de refeições de cinco
pratos, viagens de barco, equipes de TV, contato com a mídia…
Apesar do lapso momentâneo durante as improvisações, meu talento
estava sendo reconhecido. No entanto, meus talentos e o
reconhecimento que vieram com eles eram bem mais evoluídos que eu,
Viola. Eu não me sentia merecedora. Todos os símbolos que poderiam
me dar status? Eu nunca tivera. Agora, um deles estava ao meu
alcance.
Fui nomeada Jovem Artista Promissora e
recebi uma homenagem na prefeitura quando voltei para Central Falls.
Foi algo importante na cidade, mesmo que eu não tenha ganhado o
dinheiro da bolsa de estudos.
Se eu tivesse que criar uma fábula
sobre a minha vida, uma fantasia, diria que me vejo enfim encontrando
a Deus, falando embolado, chorando, agradecendo ao Todo-Poderoso
pelas honras, um marido fabuloso, uma filha linda, minha jornada do
nada até Hollywood, prêmios, viagens. E posso ver nitidamente o
rosto do Senhor, olhando-me, aceitando-me e dizendo: “Você nunca
me agradeceu por criá-la como VOCÊ É.”
Viola Davis, in Em busca de mim
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