Os
mortos são ridículos como bonecos de engonço a que cortassem os
fios... Os seus amores estão esperando, os seus negócios, os seus
amigos estão esperando, e eles ali caídos, esquecidos de tudo! Como
lhes pôde vir de repente esse desapego infinito por tudo o que mais
queriam? Ou eles estavam fingindo antes, os sonsos, ou estão
fingindo agora! Não posso absolutamente compreender que o dr.
Gouvarinho haja esquecido as nossas partidas de solo, que haja
desistido de tirar revanche, desistido dos seus calos, que marcavam
chuva, e do seu guarda-chuva, que nunca abria direito! Não posso,
não posso compreender... Observo-lhe os sapatos novos... Conto as
tábuas do teto... (É a primeira vez que os nossos silêncios em
comum me deixam constrangido.) Puxo o relógio. Escondo-o vivamente.
Cruzo os dedos... descruzo os dedos... Retiro-me.
Paro,
um instante, no portal...
Mas
ele nem me fez um psiu!
Mário Quintana, em Sapato florido
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