Foi
no cruzamento de São José com a Avenida, depois na Cinelândia,
depois em Copacabana. Elas atravessavam a rua, entravam em lojas,
saíam de automóveis, paravam para admirar vitrinas e aí seguiam
num novo impulso, quais jovens barcos, os barcos a se agitarem como
remos de incerta parlamenta, ganhando devagar e sempre os mares azuis
da tarde carioca fresca e fagueira. Saias pretas, batinas brancas,
sapatinhos de balé, os cabelos graciosamente curtos ou atacados no
alto, lá iam elas bamboleando a sua doce carga, com os veludosos
olhos atentos aos mostruários. Surgiam às dezenas, de todos os
lados, como obedecendo a um sinal convencionado e ao se cruzarem
miravam-se de soslaio, a se medirem como embarcações rivais.
Às
vezes, numa esquina, paravam por um momento, ligeiramente
resfolegantes, para descansar um pouco do esforço feito dentro do
mar picado da multidão. Mas nada que denunciasse nelas uma grande
estafa ou um sentimento de derrota. As barriguinhas pandas, os corpos
equilibrados à nova distribuição de peso, a pele esticada, a nuca
fresca, súbito punham elas de novo a funcionar o motorzinho de popa
e saíam empinadinhas em frente, um enxame de mulherzinhas grávidas
a penetrar a vida urbana de uma nova vida, uma nova graça e uma
certa gravidade.
Como
explicar a emoção que senti? Talvez essa que provocaria a vista de
um quadrinho de regata feito por Guignard, com os ioles e esquifes
distendidos na puxada e por ali tudo, em meio ao esvoaçar multicor
de bandeirinhas, um mundo de serenas baleeiras a se balançarem
suaves ao sabor das ondas. Sei que fiquei lírico, possuído do
sentimento da fecundidade da vida, sentindo a brisa farfalhar em meus
cabelos e arder em minha pele o sol claro do dia. Soube que o tempo
tinha cumprido a sua missão, e todas aquelas mulherzinhas
fecundadas, a berçar no movimento de seus passos a gestação dos
filhos, constituíam em seu gracioso desenho convexo uma maravilhosa
afirmação de vida e um caminho positivo para o amor. Soube que o
amor é uma missão a cumprir por nós, homens, e que é a nós de
constantemente querer, zelar e defender essas que, tão frágeis,
fazem a nossa força e miséria e cuja existência é um contínuo
sofrer, se alegrar e se extinguir por nós. Soube que homem e mulher
são, em sua constante atração e repúdio, a imagem mesma da vida
em movimento, e que sua longa jornada de mãos juntas, a se afastar
cada vez mais do Paraíso Perdido, tende a uma alfombra cada vez
menos distante, onde se aninharão melhor e onde fecundarão seres
cada vez mais próximos da terra.
Vinicius de Moraes, em Para viver um grande amor
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